Entrevista
Confira a entrevista com o jornalista e editor da revista Griffe, Flavio F. A. Andrade, sobre o lançamento do livro O Feitiço do Cinema – ensaios de Griffe sobre a sétima arte. – Jornal A Verdade Regional.
Como surgiu a idéia do livro ou, ainda antes, da revista Griffe?
A revista Griffe surgiu com o objetivo de propiciar uma visão crítica da realidade, focando diversos assuntos de cultura geral. A ideia é selecionar especialistas das mais diversas áreas para que possam falar, com propriedade, das pautas propostas pela revista. Sendo assim, a revista Griffe tem a pretensão de ser referência em alguns assuntos como educação, arquitetura e temas que envolvem a teoria e a produção de cinema. A partir desta filosofia, fizemos uma parceria com a Escola Crítica de Cinema de São Paulo, através dos esforços do professor, pesquisador e doutor Juan Guillermo D. Droguett, e produzimos em conjunto esta coletânea que ensina de forma dinâmica a crítica, teoria e produção cinematográfica.
Para melhor ficar claro aos leitores do jornal, seria interessante contar uma breve história da Griffe, seus objetivos e tudo o que envolve essa paixão pela escrita e pelo cinema.
A revista foi fundada por mim em 2004 em Jundiaí, quando resolvi criar uma revista que envolvesse trabalhos elaborados seguindo a linha do jornalismo literário. No início era uma revista limitada a textos jornalísticos, mas com o crescimento do interesse pela publicação, principalmente por parte de algumas universidades, passamos a produzir também textos acadêmicos, sem excluir os textos de leitura mais leve, como crônicas e reportagens. Nosso maior objetivo é produzir uma publicação diferenciada, que dê espaço para o desenvolvimento das idéias, do saber. Este fascínio pelo conhecimento, pela arte, encontra vazão neste veículo de comunicação tão importante que é uma revista literária. Nós, autores da revista e principalmente do livro, antes de sermos especialistas, somos apaixonados pelo que fazemos. O cinema é o nosso carro-chefe porque abrange todas as outras artes e possibilita o entendimento de muitas questões relacionadas aos seres humanos.
Existe algum critério para o tema ou filme abordado no livro?
O critério de seleção envolve muitas questões. Principalmente a questão psicológica dos personagens, a busca de significados e interpretações mais profundas de cada filme. Logicamente, são todos filmes muito discutidos ou premiados, que merecem nossa atenção cuidadosa e refletem a nossa época.
Por que cinema? O que há nessa arte, a você, que tanto atrai?
Primeiramente, vejo o cinema não como uma arte em si, mas como a junção de várias artes, como roteiro, edição, fotografia, música... Por isso mesmo é uma experiência artística sem precedentes, de grande penetração e grande impacto. O cinema, mais do que qualquer recurso artístico, consegue nos tirar da realidade e nos transportar para outra realidade, outra época. Um filme é capaz de modificar as pessoas, de fazê-las refletir sobre certas situações, de gerar novas perspectivas em relação ao nosso cotidiano. Normalmente fazemos isto de uma forma intuitiva. O objetivo do livro é tornar esta reflexão consciente, de discutir certos assuntos sobre vários ângulos. Juntando-se a isso, temos a questão da acessibilidade, que faz do cinema uma arte universal.
Quanto tempo demorou para o livro ficar pronto?
Foram cerca de seis meses, entre a concepção da ideia, o processo de escrita e a produção gráfica na editora. Para um livro que envolve tanta pesquisa como este, é um tempo bem curto. Isso só foi capaz porque já estávamos com o objetivo muito bem delimitado.
Com quais recursos ele foi feito? Houve patrocínio?
O livro é um lançamento da Editora Arx.
No livro, vocês escolheram filmes variados, como o Potenkim, do Eisenstein, ou até mesmo Os Sonhadores, do Bertolucci. Considera, portanto, uma obra eclética?
É uma obra que engloba tanto filmes com apelo mais popular, como Tropa de Elite, Matrix (que este ano está completando 10 anos de seu lançamento), quanto alguns clássicos do cinema citados em sua pergunta. A proposta é justamente esta, porque estamos fazendo crítica de cinema, mas também estamos analisando algumas técnicas especificas do cinema como a fotografia, o figurino... Não priorizamos determinados filmes aos quais fazemos as análises e sim a temática de cada obra. É esta diversidade de gêneros de filmes e análises que torna este livro interessante. Uma obra eclética sim que tem como público todos aqueles que estão interessados em cinema, em todo este contexto entre entretenimento e arte e também aqueles que pretendem se especializar.
Foi dada a preferência às obras mais conhecidas e sempre carimbadas ou o livro conta também com cineastas mais alternativos, como um Haneke ou mesmo um Zurlini?
A preferência é pelo filme de qualidade. Um bom filme que tenha algo a dizer e que mereça a análise e, mais do que isso, que mereça a atenção do público. Quando escolhemos filmes alternativos, do Cinema Europeu, por exemplo, estamos também dando a chance do leitor/espectador menos avisado ter conhecimento desta obra e dar os motivos para que ele possa se interessar por ela. O que acontece é que muitas vezes estes filmes ditos alternativos não são exibidos nas grandes salas e sequer são comentados na grande mídia. E ainda assim são de extrema qualidade e relevância para qualquer pessoa que goste de um bom filme.
Em um dos capítulos vocês abordam a violência e a política do cinema e partem de uma análise de Bom dia, noite, do Marco Bellochio. Como sabemos, o cinema italiano político dos anos 60 e 70 têm grande influência no mundo. Além da importância dos filmes, foi levado em conta os momentos históricos, como no caso do cinema novo brasileiro?
De acordo com o autor do capítulo, Helder Jaime Juaçaba, “o texto "Violência e política no cinema - efeitos receptivos atuais em Bom dia, noite" trata de uma análise específica do filme do ponto de vista receptivo atual. Não é um artigo sobre o cinema italiano dos anos 60 ou 70 ou sobre o cinema novo. O filme "Bom dia, noite" é uma produção do ano de 2003 e aborda ficcionalmente o episódio real do sequestro e morte, em 1978, de Aldo Moro. A intenção do texto é discutir sobre a possibilidade do cinema, enquanto ficção, como fonte de reflexão sobre fatos históricos reais e suas conexões com questões da violência e da política na atualidade.”
Você acredita que o público atual, que frequenta as grandes salas, é um público em potencial para o consumo do livro?
O público que frequenta as grandes salas busca entretenimento e arte e quer sair de lá com uma experiência que lhes forneça divertimento ou informação. Se pensarmos neste livro como sendo um guia que potencializa esta vivencia cinematográfica, então este livro é direcionado também para este público. Independente de ser um circuito comercial ou alternativo, o livro transita nestas duas categorias. Nós oferecemos as ferramentas para que o público possa intensificar estes eventos cinematográficos.
Tem previsão para mais algum livro?
Já estamos trabalhando na sequencia do Feitiço do Cinema. Tudo indica que será uma trilogia. Estamos muito animados com a repercussão do primeiro livro. Se tudo correr como o previsto, em breve teremos novidades. No momento estamos divulgando o primeiro e ainda temos muito caminho pela frente.
Existem ensaios que não entraram nesse livro e que possivelmente entrarão no próximo?
Deixamos muita coisa de fora deste livro. Os autores da Escola Crítica e da revista Griffe analisaram muitos filmes e produziram vários ensaios que não entraram no livro. Mas é natural, pois é isso que nós da Escola fazemos: produzir. É uma questão de estruturação e espaço. Foi adicionado a esta obra apenas os textos que estavam de acordo com a proposta para este momento. Alguns sofreram adaptações para se encaixar no nosso roteiro porque são de grande relevância para o conjunto da obra. É possível que a próxima coletânea traga alguns destes textos porque são pesquisas de campo e estudos inéditos e que auxiliarão o leitor no entendimento do cinema.
No livro, seu nome surge no capítulo final, no ensaio fotográfico. No que se baseia esse trabalho?
Este ensaio é um registro documental de um lugarejo que serviu de cenário para diversos filmes brasileiros na década de 1990. Pouca gente conhece São José das Três Ilhas. Mas se falamos em Lavoura Arcaica, aí a coisa muda. De um lado, um pequeno povoado desconhecido da maioria dos brasileiros, próximo a Juiz de Fora, na divisa com o Rio de Janeiro. Do outro, um consagrado filme conhecido no mundo todo e que colocou o Brasil em destaque no cinema mundial. Mas e quanto aos moradores deste lugar? Aqueles que trabalharam anonimamente nas produções e conviveram anos com a rotina cinematográfica? Quais as consequências de todas estas filmagens neste pequeno espaço? Em 2008, dez anos depois do fim das filmagens, visitei esta cidade para registrar em livro as drásticas transformações que o lugar sofreu enquanto servia de cenário para gigantescas produções. Nos bastidores deste trabalho conheci pessoas que vivem das lembranças do tempo em que filmes eram produzidos no quintal de suas casas e os astros do cinema viviam entre eles. Hoje, os cidadãos deste local vivem apenas das boas lembranças da retomada do cinema brasileiro.
Você pretende fazer direção de fotografia? Tem algum trabalho próprio?
Por enquanto não pretendo fazer cinema. Estou envolvido atualmente nas pesquisas da Escola Crítica, escrevendo e fazendo fotografia documental. É claro, tudo depende da oportunidade.
Como você analisa a participação do cinema brasileiro no cenário mundial atual?
É cada vez mais crescente a nossa participação neste cenário. E não estamos apenas participando, estamos ganhando prêmios. O cinema brasileiro tem marcado presença em muitos festivais por todo o mundo e tem ocupado ótimas posições. Nosso cinema já deixou de registrar apenas a violência e a pobreza do país, estamos ganhando espaço com muitas outras histórias como é o caso de Lavoura Arcaica, um filme poético que trata das relações religiosas. Nossa marca registrada não é a exploração dos problemas sociais como muitos pensam, é uma “grife” muito mais valiosa que reflete o modo de fazer cinema de nossos diretores e produtores.
Qual a importância de se preservar a memória cinematográfica? Acredita que o livro ajuda para isso?
De acordo com o professor Juan Guillermo D. Droguett, a gente parte do princípio de que o cinema já é um registro do tempo. O que a gente tenta no livro é acompanhar este desenvolvimento que o cinema vai experimentando através do tempo. Os temas recorrentes vão adquirindo um novo carisma, uma nova face que se está vivendo. Esta é a contribuição do livro.
O que é necessário para que o jornalismo cultural e, mais especificamente, a crítica de cinema cresça ainda mais?
Segundo Juan Droguett, é a formação de críticos que sejam capazes de estabelecer diálogo entre o cinema e outros campos do conhecimento. Mas que a princípio entendam que o crítico cinematográfico tem que ter competência, compromisso, desempenho, com distanciamento em relação aos objetos estilísticos ou a estilos que prevaleçam no campo artístico ou de entretenimento.
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