Sobre educação
REINALDO SAMPAIO PEREIRA
Sendo espectador há alguns anos de algumas questões referentes à educação, tornei-me palpiteiro acerca de algumas delas. Trato aqui de alguns primeiros questionamentos sobre alguns aspectos da educação e apresento alguns palpites sobre esses questionamentos, a partir da minha perspectiva de análise. Nessa atividade de examinar e palpitar, julgo conveniente começar por observar que considero boa via de análise da educação (mesmo em seu sentido lato e não apenas no sentido estrito de educação formal), pensá-la da perspectiva do seu fim, a partir da pergunta dos seus porquês. Desse viés, uma primeira pergunta que podemos fazer é: para quê a educação? Se respondermos: para criar possibilidades de uma maior quantidade de bem-estar para a sociedade e para os indivíduos, parece-me que estamos em uma boa trilha, na qual apresentamos uma resposta que a torna digna de múltiplos elogios.
Mas, antes de recorrermos a afirmações categóricas retóricas não fundadas em bons argumentos, que tornam a educação merecedora dos melhores elogios, parece caber o prudente questionamento: a educação, em si, é algo incondicionalmente bom?
Evidentemente que essa pergunta precisa ser fragmentada, pois pensar a educação em seus múltiplos aspectos como algo uno, monolítico, parece uma análise, em muito, reducionista. Especifiquemos, então, nosso questionamento, reduzindo a pergunta inicial, demasiadamente ampla, primeiro, à educação formal, e, mais especificamente ainda, à educação formal no seu aspecto que visa o desenvolvimento da capacidade reflexiva e que permite a apreensão de certo repertório de in-formações.
A partir de ambas as reduções, formulemos novamente a pergunta: para que uma educação que visa o desenvolvimento da capacidade reflexiva dos indivíduos, possibilitando-lhes a aquisição de certo repertório de informações? A partir dessa interrogação, parece apropriado questionar: será que esse tipo de educação pode levar ao bem-estar dos indivíduos que passam por tal processo educativo? E a sociedade, de modo geral, teria maior quantidade de benefícios que de malefícios com o desenvolvimento de tais habilidades propiciadas pela educação?
Ambas essas questões sugerem uma interrogação primeira: em que medida uma razão bem cultivada pode colaborar com a promoção do bem-estar social? Será que não poderíamos viver melhor com habilidades intelectuais reduzidas? Não se trata aqui de perguntar se seria possível vivermos em uma sociedade não reflexiva, formada e organizada sem o intermédio da razão, da capacidade reflexiva, pois essa não parece uma questão muito profícua, na medida em que não vivemos em sociedade sem nos valer das habilidades reflexivas e dos conhecimentos adquiridos, como se o produto da reflexão não estivesse profundamente arraigado nos mais variados domínios da sociedade organizada, como nas leis, nas regras morais, na tecnologia, etc.
Mas, ainda que não seja possível não instaurar uma sociedade organizada pelo homem sem a intervenção da razão, talvez seja possível pensar em uma sociedade em que talvez não tivesse valor excessivo o cultivo da razão, ou, então, uma sociedade na qual a razão pudesse estar a serviço de certos interesses sociais.
Se a resposta à pergunta sobre em que medida o desenvolvimento da capacidade reflexiva e a apreensão de certo repertório de conhecimento pode promover bem-estar social for que a razão é a grande promotora de bem-estar, que, quanto mais o homem tem habilidades reflexivas e é melhor informado, maiores as chances de tanto ele quanto o grupo social terem maior quantidade de bem-estar que propriamente mal-estar, então a pergunta pelo porque da educação formal que visa o desen-volvimento das capacidades reflexivas e a apreensão do conhecimento pode levar à boa resposta: para a promoção do bem-estar da sociedade e do indivíduo, apresentando-se, então, como boa proposta educativa, estratégias que permitem o desen-volvimento das capacidades reflexivas e maior acúmulo do conhecimento.
Mas qualquer análise superficial acerca do produto das habilidades reflexivas, como a tecnologia, pode conduzir à percepção que esta, por si só, não é um bem, por si só, não é geradora de bem-estar. Como é discurso corrente, e convém aqui relembrar: a tecnologia, em si, não é boa nem má. Bom e mau pode ser, por exemplo, o uso que dela se faz. Se é assim, então fica expressamente vedada, para a pergunta sobre como instaurar um bom processo educativo, qualquer reposta que tende a apontar que as habilidades reflexivas devem ser estimuladas sem limites e se deve estimular incondicionalmente a aquisição de um amplo repertório de conhecimentos possível, se o que a razão produz não necessariamente é algo bom. Isso equivale a dizer que, para atender à finalidade última de uma boa educação formal, talvez o desenvolvimento racional devesse estar condicionado a outros fatores do processo educativo, se o produto da razão pode ser promotor de mal-estar.
Os exemplos para o levantamento de tal suposição são inúmeros e dos mais variados tipos.
No que diz respeito ao desenvolvimento tecnológico, por exemplo, o uso cada vez mais acentuado de produtos como caixas-eletrônicos em bancos, tratores, maquinários em montadoras de auto-móveis, em muito intensificam o grave problema do desemprego, aumentando o exército de desempregados e, com isso, intensificando a quantidade de mal-estar na sociedade, como a violência e todos os males decorrentes do alto índice de desemprego. Ademais, o uso da tecnologia pode gerar mal-estar também de outra perspectiva. É ilustrativo, nesse sentido, que o avião que, por um lado, encurta distâncias, por outro, é um dos instrumentos que multiplicam a capacidade destrutiva humana.
Mas talvez seja em exemplos em que o próprio uso da capacidade reflexiva (e não o produto de tal uso, como nos exemplos supracitados) pode engendrar grandes males sociais que encontremos melhores argumentos para sugerir certo cuidado no desenvolvimento das capacidades reflexivas no processo de aprendizagem. Nesse sentido, valendo-nos de um exemplo banal, consideremos que tanto maior pode ser a capacidade de gerar mal-estar de um político influente quanto maior forem as suas habilidades reflexivas, se tal político age estritamente em função dos seus interesses próprios. Isso equivale a dizer que a razão, quando a serviço de maus fins, pode se converter em poderoso instrumento para a intensificação da produção de males. Por outro lado, tanto mais um político influente pode intensificar a sua capacidade de promover bem-estar, se tiver a capa-cidade reflexiva bem cultivada e agir visando o coletivo, o bem-estar social. A razão, enquanto meio para atingir determinados fins, talvez devesse ser estimulada, em certa medida, de modo conjunto com uma educação que conduz a bons fins.
Esses exemplos são ilustrativos para o levantamento da hipótese que a capacidade reflexiva pode, em muito, contribuir para intensificar as possibilidades de geração do bem-estar social. Mas são ilustrativos também para certa suspeita que a capacidade reflexiva deve ser estimulada e desenvolvida na medida em que ela pode estar a serviço de outras capacidades humanas, como a de controlar os nossos impulsos, de modo a fazer com que não ajamos em função de interesses próprios, não violando, assim, o domínio dos direitos dos outros, consequentemente, não contribuindo para a acentuação da desorganização social e, com isso, intensificando o mal-estar social.
Quer nos parecer sempre conveniente chamar a atenção para a necessidade talvez secundária do desenvolvimento de certas capacidades reflexivas em um processo educativo formal que visa o bem-estar social.
Para esse propósito, talvez seja necessário que a educação formal trate prioritariamente sobre como educar o indivíduo de modo tal que ele se veja antes como alguém em uma coletividade, fazendo-o pensar e agir em função do coletivo.
Para atender a essa finalidade, fazendo com que a educação formal trilhe o caminho da promoção do bem-estar social, disciplinas como a Ética e as humanas de modo geral parecem necessárias.
Sendo assim, parece-nos boa medida, para que a educação formal atenda a um bom fim, a intensificação dos estudos das disciplinas humanas.
Reinaldo Sampaio Pereira —Pós-doutorando em Filosofia pela Universidade de São Paulo —USP. Doutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas. Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas. Professor de Filosofia e Ética.
revista Griffe
Sendo espectador há alguns anos de algumas questões referentes à educação, tornei-me palpiteiro acerca de algumas delas. Trato aqui de alguns primeiros questionamentos sobre alguns aspectos da educação e apresento alguns palpites sobre esses questionamentos, a partir da minha perspectiva de análise. Nessa atividade de examinar e palpitar, julgo conveniente começar por observar que considero boa via de análise da educação (mesmo em seu sentido lato e não apenas no sentido estrito de educação formal), pensá-la da perspectiva do seu fim, a partir da pergunta dos seus porquês. Desse viés, uma primeira pergunta que podemos fazer é: para quê a educação? Se respondermos: para criar possibilidades de uma maior quantidade de bem-estar para a sociedade e para os indivíduos, parece-me que estamos em uma boa trilha, na qual apresentamos uma resposta que a torna digna de múltiplos elogios.
Mas, antes de recorrermos a afirmações categóricas retóricas não fundadas em bons argumentos, que tornam a educação merecedora dos melhores elogios, parece caber o prudente questionamento: a educação, em si, é algo incondicionalmente bom?
Evidentemente que essa pergunta precisa ser fragmentada, pois pensar a educação em seus múltiplos aspectos como algo uno, monolítico, parece uma análise, em muito, reducionista. Especifiquemos, então, nosso questionamento, reduzindo a pergunta inicial, demasiadamente ampla, primeiro, à educação formal, e, mais especificamente ainda, à educação formal no seu aspecto que visa o desenvolvimento da capacidade reflexiva e que permite a apreensão de certo repertório de in-formações.
A partir de ambas as reduções, formulemos novamente a pergunta: para que uma educação que visa o desenvolvimento da capacidade reflexiva dos indivíduos, possibilitando-lhes a aquisição de certo repertório de informações? A partir dessa interrogação, parece apropriado questionar: será que esse tipo de educação pode levar ao bem-estar dos indivíduos que passam por tal processo educativo? E a sociedade, de modo geral, teria maior quantidade de benefícios que de malefícios com o desenvolvimento de tais habilidades propiciadas pela educação?
Ambas essas questões sugerem uma interrogação primeira: em que medida uma razão bem cultivada pode colaborar com a promoção do bem-estar social? Será que não poderíamos viver melhor com habilidades intelectuais reduzidas? Não se trata aqui de perguntar se seria possível vivermos em uma sociedade não reflexiva, formada e organizada sem o intermédio da razão, da capacidade reflexiva, pois essa não parece uma questão muito profícua, na medida em que não vivemos em sociedade sem nos valer das habilidades reflexivas e dos conhecimentos adquiridos, como se o produto da reflexão não estivesse profundamente arraigado nos mais variados domínios da sociedade organizada, como nas leis, nas regras morais, na tecnologia, etc.
Mas, ainda que não seja possível não instaurar uma sociedade organizada pelo homem sem a intervenção da razão, talvez seja possível pensar em uma sociedade em que talvez não tivesse valor excessivo o cultivo da razão, ou, então, uma sociedade na qual a razão pudesse estar a serviço de certos interesses sociais.
Se a resposta à pergunta sobre em que medida o desenvolvimento da capacidade reflexiva e a apreensão de certo repertório de conhecimento pode promover bem-estar social for que a razão é a grande promotora de bem-estar, que, quanto mais o homem tem habilidades reflexivas e é melhor informado, maiores as chances de tanto ele quanto o grupo social terem maior quantidade de bem-estar que propriamente mal-estar, então a pergunta pelo porque da educação formal que visa o desen-volvimento das capacidades reflexivas e a apreensão do conhecimento pode levar à boa resposta: para a promoção do bem-estar da sociedade e do indivíduo, apresentando-se, então, como boa proposta educativa, estratégias que permitem o desen-volvimento das capacidades reflexivas e maior acúmulo do conhecimento.
Mas qualquer análise superficial acerca do produto das habilidades reflexivas, como a tecnologia, pode conduzir à percepção que esta, por si só, não é um bem, por si só, não é geradora de bem-estar. Como é discurso corrente, e convém aqui relembrar: a tecnologia, em si, não é boa nem má. Bom e mau pode ser, por exemplo, o uso que dela se faz. Se é assim, então fica expressamente vedada, para a pergunta sobre como instaurar um bom processo educativo, qualquer reposta que tende a apontar que as habilidades reflexivas devem ser estimuladas sem limites e se deve estimular incondicionalmente a aquisição de um amplo repertório de conhecimentos possível, se o que a razão produz não necessariamente é algo bom. Isso equivale a dizer que, para atender à finalidade última de uma boa educação formal, talvez o desenvolvimento racional devesse estar condicionado a outros fatores do processo educativo, se o produto da razão pode ser promotor de mal-estar.
Os exemplos para o levantamento de tal suposição são inúmeros e dos mais variados tipos.
No que diz respeito ao desenvolvimento tecnológico, por exemplo, o uso cada vez mais acentuado de produtos como caixas-eletrônicos em bancos, tratores, maquinários em montadoras de auto-móveis, em muito intensificam o grave problema do desemprego, aumentando o exército de desempregados e, com isso, intensificando a quantidade de mal-estar na sociedade, como a violência e todos os males decorrentes do alto índice de desemprego. Ademais, o uso da tecnologia pode gerar mal-estar também de outra perspectiva. É ilustrativo, nesse sentido, que o avião que, por um lado, encurta distâncias, por outro, é um dos instrumentos que multiplicam a capacidade destrutiva humana.
Mas talvez seja em exemplos em que o próprio uso da capacidade reflexiva (e não o produto de tal uso, como nos exemplos supracitados) pode engendrar grandes males sociais que encontremos melhores argumentos para sugerir certo cuidado no desenvolvimento das capacidades reflexivas no processo de aprendizagem. Nesse sentido, valendo-nos de um exemplo banal, consideremos que tanto maior pode ser a capacidade de gerar mal-estar de um político influente quanto maior forem as suas habilidades reflexivas, se tal político age estritamente em função dos seus interesses próprios. Isso equivale a dizer que a razão, quando a serviço de maus fins, pode se converter em poderoso instrumento para a intensificação da produção de males. Por outro lado, tanto mais um político influente pode intensificar a sua capacidade de promover bem-estar, se tiver a capa-cidade reflexiva bem cultivada e agir visando o coletivo, o bem-estar social. A razão, enquanto meio para atingir determinados fins, talvez devesse ser estimulada, em certa medida, de modo conjunto com uma educação que conduz a bons fins.
Esses exemplos são ilustrativos para o levantamento da hipótese que a capacidade reflexiva pode, em muito, contribuir para intensificar as possibilidades de geração do bem-estar social. Mas são ilustrativos também para certa suspeita que a capacidade reflexiva deve ser estimulada e desenvolvida na medida em que ela pode estar a serviço de outras capacidades humanas, como a de controlar os nossos impulsos, de modo a fazer com que não ajamos em função de interesses próprios, não violando, assim, o domínio dos direitos dos outros, consequentemente, não contribuindo para a acentuação da desorganização social e, com isso, intensificando o mal-estar social.
Quer nos parecer sempre conveniente chamar a atenção para a necessidade talvez secundária do desenvolvimento de certas capacidades reflexivas em um processo educativo formal que visa o bem-estar social.
Para esse propósito, talvez seja necessário que a educação formal trate prioritariamente sobre como educar o indivíduo de modo tal que ele se veja antes como alguém em uma coletividade, fazendo-o pensar e agir em função do coletivo.
Para atender a essa finalidade, fazendo com que a educação formal trilhe o caminho da promoção do bem-estar social, disciplinas como a Ética e as humanas de modo geral parecem necessárias.
Sendo assim, parece-nos boa medida, para que a educação formal atenda a um bom fim, a intensificação dos estudos das disciplinas humanas.
Reinaldo Sampaio Pereira —Pós-doutorando em Filosofia pela Universidade de São Paulo —USP. Doutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas. Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas. Professor de Filosofia e Ética.
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