A fotografia cinematográfica
FLAVIO F. A. ANDRADE
A imagem em movimento nos remete a sensações antes não observadas em outros meios, como a fotografia estática. O vestido da moça e o véu que ela traz no cabelo ganham vida com o movimento brusco de uma corrida, tomada em quase câmera lenta, onde o mato também se movimenta com a força do vento. Uma folha caindo de uma árvore, os raios solares penetrando na copa de uma árvore, interagindo com os troncos na floresta, e a luz se esconde e aparece nos encontros das árvores. As nuvens em sua corrida diária tornam-se rapidamente densas e escuras revelando uma tempestade que, em alguns casos, irá predizer uma tragédia. Este movimento transformatório é típico da composição linear fotográfica.
A fotografia nem sempre é a tomada grande-angular. Detalhes de um chão iluminado apenas por um feixe de luz natural, um ambiente escuro tendo como ação um jantar em família onde nada ao redor é exposto pela luz, apenas os rostos e a delicadeza de uma cena longa e simples, mas com uma carga dramática atômica. As janelas e suas inquietudes a nos mostrar o que elas escondem. Uma paisagem, ou talvez uma ação de personagens, ou ainda outra vez a luz entrando e tomando todo o espaço ou às vezes nos remetendo novamente às sombras.
A fotografia em geral faz de um filme não apenas um entretenimento. Faz dele uma arte. A trama toma espaço à frente, mas uma cena nunca teria esta mágica com a inexistência da fotografia cinematográfica.
A fotografia em Lavoura arcaica
O que para muitos parecia impossível, Luiz Fernando Carvalho fez acontecer. Filmou e colocou na tela da maneira mais dramática os intensos e longos monólogos de Lavoura arcaica. Publicação de mais de 30 anos, o romance Lavoura arcaica, do paulista Raduan Nassar, parecia não ter como sair das páginas do livro diretamente para o cinema, pela dificuldade de filmar sem enredo.
O que existe é um forte fluxo de consciência do protagonista. Na maioria do tempo seus intensos monólogos podem ser considerados pecados carnais. Mas ao transpor essa obra para o cinema, ela se transformou num milagre na tela, com abordagem tão crua e ao mesmo tempo tão poética do desejo entre dois irmãos. A prosa do autor com palavras abstratas e profusas, não se dobraria à forma que todo filme precisa, um roteiro.
Sem roteiro, o filme começou a ser filmado depois de meses de ensaios e foi justamente na fotografia que Walter Carvalho tirou desse processo uma “prosa visual” que é exatamente a prosa do livro de Raduan.
A fotografia impecável dá valor em sua maior parte ao chão. Revelando assim o estado do protagonista André que chega à loucura e ao narcisismo, girando constantemente em torno de seu sofrimento. É explícita também a delicadeza do personagem principal desde sua infância. O chão foi o fator primordial na fotografia do filme, que mostra o quanto a sensação de prisioneiro leva por terra toda a vontade de viver. Muitas vezes se arrastando no chão, em outros momentos deitando no quintal, se cobrindo de folhagens secas. As narrativas são instantaneamente descritas por imagens: o chão da igreja, o piso do banheiro e o banho preparado, o chão de madeira da fazenda abandonada.
O filme é composto quase que na sua totalidade no escuro, apenas as cenas de infância são dotadas de intensa luz solar que acompanha as intensas e abstratas prosas poéticas.
A fotografia de Walter Carvalho foi fundamental para a riqueza das cenas. Verdadeiros trabalhos artesanais, minuciosos e inesperados, foram essenciais para externar esse caldeirão de emoções, potencializando poesia e metáfora existentes tanto nas imagens quanto no texto.
Reinaldo Reigrimar —Técnico em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo. Orga-nizador do livro Griffensaios (2007) e co-autor dos livros Griffespaços (2007) e Corpos estéticos (2008). Membro da Escola Crítica de Cinema. Correspondente da Revista Griffe em Londres há cinco anos.
Flavio F. A. Andrade —Graduado em Comu-nicação Social com Habilitação em Jornalismo. Técnico em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo. Membro da Escola Crítica de Cinema. Repórter e fotógrafo. Trabalha com editoração de texto e imagem.
revista Griffe
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