A visão estética da publicidade

WANDA PANKEVICIUS BARROS

Oliviero Toscani é um fotógrafo conhecido por causar muita controvérsia com as suas campanhas publicitárias para a Benetton. Ele escreveu o livro A Publicidade é um Cadáver que nos Sorri[1], onde questiona a responsabilidade social do mercado publicitário. O livro publicado em 1996 continua atual, com críticas ainda pertinentes que nos fazem constatar que a essência e a visão estética da publicidade mudou muito pouco daquela época para cá.
No livro A Publicidade é um Cadáver que nos Sorri, Oliviero Toscani, nos lembra da linha da “pseudo-realidade” pela qual a publicidade insiste em seguir, e apresenta uma visão controvertida através de seus trabalhos para a empresa Benetton. O autor também relata no livro o grande apoio que sempre recebeu de Luciano Benetton, “um homem extraordinário” que dizia: “Você não deve escutar o marketing, deve escutar o seu talento”.
Toscani nos faz pensar sobre a futilidade da publicidade, que muitas vezes trata o consumidor como uma massa impotente, que aceita pacificamente um conceito de “vida perfeita”, através de campanhas que privilegiam uma estética perfeita, corpos impecáveis, mulheres bronzeadas e bem vestidas, homens com carros super potentes – cuja velocidade máxima é proibida –, famílias felizes sem qualquer problema, que tomam café juntas e usam a margarina “light” mais cremosa do mercado, imagens com o sol brilhando em um céu que está sempre azul – pois no mundo perfeito não há tempo ruim!
Sabemos que a função da publicidade é fazer dinheiro, vender o produto convencendo o consumidor de que aquilo vale a pena. Por que então Toscani preferiu seguir por um caminho tão diferente, usando imagens tiradas de realidades difíceis ao invés de apresentar as malhas da Benetton sendo usadas por modelos magérrimas? Isto é esclarecido já no segundo capítulo intitulado Crime contra a inteligência, no qual Toscani inicia com a frase: “Quero abrir o processo de Nuremberg da publicidade”, acusando a publicidade por vários crimes: de inutilidade social, de mentira, de persuasão oculta, de adoração às bobagens e crime contra a criatividade, entre outros. “Os publicitários não cumprem a sua função: comunicar. Carecem de ousadia e de senso moral” (TOSCANI, 1996: 25). Ele também comenta sobre a propaganda ideológica praticada pelos nazistas sob o pretexto de purificar a raça ariana[2], e sobre como os fascistas souberam utilizar esta arma a seu favor. O autor segue seu raciocínio e questiona por que as empresas não utilizam a publicidade para educar, emocionar, revelar talentos e artistas, tomar posições havendo engajamento, buscando sempre pela responsabilidade social da propaganda. Toscani deixa claro que não há nada de novo na publicidade e sim incansáveis cópias das fórmulas de sucesso usadas anteriormente: “A publicidade é um cadáver perfumado. Sempre se diz a respeito dos defuntos: Ele está bem-conservado, parece até que sorri. O mesmo vale para a publicidade. Acha-se morta, mas continua sorrindo” (TOSCANI, 1996: 40).
No terceiro capítulo, o autor relembra o conceito que adotou para a campanha da Benetton de 1994, em que usou imagens de pessoas comuns de Gaza – nos primeiros territórios da nova Palestina para ilustrar a miscigenação racial – “os povos esquecidos”, transformando um slogan publicitário – United Colors – numa iniciativa humanista, desenvolvendo uma imagem de marca filosófica, que vai muito além do mero consumo.
Ao longo de todo o seu trabalho com a Benetton, Oliviero Toscani conseguiu provocar e chocar o mundo com as suas imagens cruas da realidade que muitas vezes preferimos não ver. Ele abordou temas polêmicos como o preconceito racial, sexual, a AIDS, a guerra e o meio ambiente.
Segundo Toscani a sua intenção é convocar a sociedade a pensar. “Não exploro as desventuras do mundo para que se fale na Benetton, luto contra o conformismo das certezas”(TOSCANI, 1996: 94). Mas nem sempre ele é interpretado desta forma, por muitas vezes as suas campanhas foram criticadas e ele foi taxado de anarquista e estrategista.
Pode ser que algumas pessoas do ramo pensem que o livro não passa de um ataque generalizado à publicidade, valorizando apenas a visão de Toscani, mas a obra é provocante e emociona, pois nos faz considerar novos aspectos da propaganda e valorizar empresas que, além do lucro, se preocupam com a sociedade, que praticam a tão comentada responsabilidade social.
O livro é de leitura obrigatória para quem atua ou quer atuar na área de comunicação social, ou mesmo para o público em geral que queira saber sobre o mundo da estética da publicidade. Sem a intenção de revolucionar, apenas de possibilitar a criação de novos conceitos em relação à atual publicidade do “paraíso perfeito”.

[1] TOSCANI, Oliviero. A Publicidade é um Cadáver que nos Sorri. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.
[2] Para Adolf Hitler, a cor dos olhos, a cor da pele, a cor dos cabelos, e o tamanho do nariz eram algumas das inúmeras características impostas à chamada “purificação da espécie”(REIGRIMAR, 2008: 62).

Comentários

Roberto Barros disse…
Flávio, de vez em quando volto a "folhear" as páginas da Griffe, das postagens atuais às mais antigas, sempre com encanto renovado.Tenho saudades da revista impressa, principalmente da fase em branco e preto. De suas fotos fantásticas, das matérias com pontos de vista absolutamente diferenciadas, dos anunciantes com coragem de investir em cultura. Saudades, Flávio, saudades. Beto Barros

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