Aperitivo

O belo para o novo milênio

Maria Eulina Hilsenbeck não era bonita, nem tão pouco tinha um corpo escultural que a mídia poderia classificá-lo de ideal. Tinha piolho e uma camada escura de sujeira sobre a pele. Numa manhã, sentada em um dos bancos do Parque Dom Pedro, que lhe servia de cama, assistia em silêncio o surto de uma moça por causa de um pneu furado do seu carro. Com receio se aproximou da moça e perguntou-lhe se aquele incidente era merecedor de tal atitude. A moça, ouvindo aquelas simples palavras, parou e refletiu se não seria daquela deprimente figura a razão de uma revolta maior.

Tornaram-se amigas. Já sob um teto, banho tomado, Maria Eulina experimentou o sabor de uma cama, limpa e cheirosa, coisa que há muito já tinha esquecido. Algum tempo depois, a ex-moradora de rua conheceu um alto executivo com quem teve dois lindos filhos. Viajou pelo Brasil e provou saborosos pratos, bem diferentes dos sacos de lixo que remexia para matar a fome. Agora linda, fundou uma ONG e estendeu a mão aos outros feios.

O leitor deve estar achando estranho o que a história de uma ex-moradora de rua está fazendo no livro sobre estética ou beleza corporal. Mas, muitos deverão concordar comigo que o feio e o bonito são conceitos carregados de subjetividade. O que é feio para um, pode ser belo para o outro. Para alguns, feio é ter em nosso País 11% de brasileiros analfabetos; para outros, feio é carregar um aparelho de celular já ultrapassado... lançado no mês passado. Bonito é andar na moda, mesmo que seja para chamar a atenção das outras pessoas se esquecendo da subjetividade. Para alguns, feio é ver nossa gente sem abrigo, sem comida. Enquanto que, para outros, bonito é mutilar o corpo em busca da perfeição.

Mas o que é ser belo? Como ter um corpo considerado perfeito dentro dos padrões estéticos impostos pela mídia? Diariamente, percebemos academias lotadas, cremes e tratamentos que prometem a beleza eterna, pistas de cooper congestionadas, dietas intermináveis. Até quando homens e mulheres travarão essa infindável batalha quando a questão é muito mais interna do que externa?

Há a necessidade urgente de uma reflexão sobre os conceitos belo e feio. O novo milênio pede uma sociedade que amplie a consciência na busca de uma sabedoria sistêmica, que quebre atrasados paradigmas que privilegiam o tecnicismo atrás do belo, o ter em detrimento ao ser, e obtenha um olhar holístico. A visão de um todo, humanística, que leve em consideração a forma de perceber a realidade dentro de uma abordagem sistêmica.

O enfoque sistêmico pede uma nova forma de avaliar a vida, de pensar, de perceber que o conjunto não é mera soma de todas as partes, mas as partes compõem o todo e é o todo que determina o comportamento das partes. A visão holística é o que vem se colocar de mais atual ante a um modo de vida frio e fragmentado de uma civilização calcada em padrões competitivos e centrado na obtenção de bens materiais. O holismo não é uma ciência, nem tão pouco uma filosofia. É um novo modo de percepção, de encarar a vida com mais simplicidade em busca da felicidade real, factível, que é o que todos almejamos.

E chama a atenção para que a sociedade contribua para a construção da hegemonia sem aceitar mais – com indiferença – a centralização do muito nas mãos de poucos; e do pouco nas mãos de muitos.

São Paulo, jun, 2008
ROSANA TELLES

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