UMA NOVA EXPERIÊNCIA EM JUNDIAÍ
a publicação inclui relatos e ensaios fotográficos
sobre São Paulo, Londres e outras cidades...»
Ieda Cavalcante dos Santos
Resumo: Este relato pretende contribuir com o debate sobre experiências inovadoras na área de jornalismo, tendo por base a experiência desenvolvida por um grupo de alunos de jornalismo de Jundiaí em torno da publicação da revista Griffe. Trata-se de uma publicação cultural, feita com o objetivo de propiciar a reflexão crítica por meio de textos que unem as linguagens jornalística e literária. Além de textos sobre o espaço urbano da cidade, a publicação inclui relatos e ensaios fotográficos sobre São Paulo, Londres e outras cidades, procurando articular o local com o universal e, desta forma, distanciando-se de uma abordagem provinciana de temas culturais. Esta experiência marca uma relação singular entre alunos e professores, na medida em que ambos apresentam-se na condição de parceiros em prol de uma publicação feita com total autonomia.
Palavras-chave: revista cultural, jornalismo, literatura, parceria.
A área de atuação do jornalista tornou-se mais ampla e, ao mesmo tempo, mais complexa e competitiva diante de mudanças ocorridas especialmente pelas novas tecnologias. O jornalismo se transformou a partir de uma tradição em que o registro jornalístico desenvolveu técnicas de reprodução da realidade e «de apropriação da temporalidade da vida cotidiana, expressa nas notícias, e instituindo uma nova forma de percepção e vivências temporais» (SAID, Gustavo Fortes, 2005). Com isto, surgiu, segundo Said, um tipo de percepção histórica sobre os acontecimentos em conseqüência da cronologia das narrativas jornalísticas e da noção de tempo desenvolvida pelos jornais.
As transformações que têm alterado a profissão jornalística são frequentemente tratadas em debates em faculdades, em sindicatos e em outros fóruns afins. Quando estes temas são tratados em sala de aulas para os jovens estudantes, algumas questões são recorrentes na discussão. Entre elas destaco: a) Como fortalecer a tradição quase perdida do jornalista enquanto agente envolvido diretamente nas grandes questões sociais e políticas de seu tempo? b) Como resgatar a habilidade do jornalista de contar boas e pertinentes histórias? c) Como garantir uma formação humanista e, ao mesmo, técnica para atuar em um mercado de trabalho cada vez mais desumano?
Estes tipos de questionamentos revelam a demanda nos cursos de jornalismo pela ampliação dos espaços de debate e reflexão que possam ir além das últimas tendências do mercado de trabalho, muitas vezes mencionado sem a devida reflexão crítica, como é usual. Trata-se de sincronizar ideais e propostas com os quais os alunos sintonizam a partir da história da imprensa e da vida social e política da sociedade. A ênfase excessiva no mercado leva à desconsideração de outras possibilidades de atuação jornalística. Quando tratadas, estas ficam limitadas a disciplinas de menor ênfase no currículo, até por não estarem afinadas com as tendências do mercado.
Com isso, corre-se o risco de deixar de lado possibilidades criativas dos alunos e também reforçar uma imagem limitada e distorcida de jornalismo que muitos deles, em muitos casos a maioria, já trazem consigo ao ingressarem nos cursos.
Paradoxalmente e a despeito da predominância de discursos em prol do mercado, há iniciativas criativas sendo realizadas por alunos e que apontam para outros caminhos. Caminhos que resultam de uma positiva articulação entre reflexão crítica e experiência prática. Desta forma, revelam a importância de disciplinas taxadas de teóricas – e mal vistas por muitos – no sentido de servirem de base para a realização de projetos inovadores. É possível, inclusive, a realização de projetos sob a iniciativa dos próprios alunos e não do quadro docente ou da política da instituição educacional.
É o caso da publicação da revista Griffe, de Jundiaí. Com três anos de circulação, a revista foi criada em março de 2004 por um grupo de alunos do curso de jornalismo da Universidade Paulista (UNIP), em Jundiaí. Tendo a frente Flavio Andrade, na condição de editor e diretor, a revista logo de início foi apresentada como um projeto de divulgação cultural, sem fins lucrativos, tendo parte dos custos bancada por meio de anúncios de pequenos comerciantes da cidade. Quando a publicação completou um ano, o editorial enfatizou o seguinte: «Chegamos a um ano de vida com muitas batalhas e pedras por desviar e colocar nas ruas um material de qualidade, que tivesse realmente algo a dizer e fazer as pessoas pensarem».
Quando tive contato com o grupo de alunos e a sua revista, na condição de professora, chamou a minha atenção o fato de o grupo desenvolver o seu projeto de forma inteiramente independente da universidade e dos seus professores. Minha primeira medida foi valorizar o projeto e, a partir do olhar de minhas disciplinas, contribuir com os alunos. Logo, fui convidada a escrever para a publicação e, desde então, mantenho uma seção de crônicas. Em seguida, outros colegas passaram a publicar seus textos.
A revista cresceu e adquiriu destaque na cidade. A sua versão on line tem grande número de acesso via Google.
A princípio era uma publicação em preto e branco, com trinta páginas, com todos os textos feitos pelos próprios alunos, mantida com parcos recursos. O grupo inicial era formado por oito colaboradores. Os temas giravam em torno de aspectos culturais de Jundiaí, havia crônicas e notas sobre filmes e livros. Aos poucos, a revista ampliou a sua abordagem e passou a investir de forma mais eficiente no jornalismo cultural, dando visibilidade para a cidade e também procurando tratar de temas mais gerais. Recentemente, manteve o formato A4 dobrado, mas passou a ser impressa em papel couchê.
Em março passado, o grupo lançou o livro Griffensaios para comemorar os três anos da publicação. Trata-se do primeiro livro de debates sobre comunicação, responsabilidade social e comportamento, como explica Flavio Andrade, em artigo publicado no portal do Observatório da Imprensa. O livro reúne 95 fotografias, distribuídas em cinco ensaios fotográficos que tratam de moradores de rua, do espaço urbano de Jundiaí, de São Paulo e de Londres, além de temas como arquitetura, literatura e mídia. O lançamento contou com a cobertura da imprensa local e com o reconhecimento de instituições culturais de Jundiaí.
Com uma tiragem de dois mil exemplares, a revista tem crescido e recebido elogios de jornalistas por sua abordagem crítica e procura firmar-se enquanto um veículo de debates sociais e culturais. O editor classifica a publicação como jornalismo alternativo. Alternativo à noção predominante de mercado e que tem engessado o fazer jornalístico. Experiências como estas podem ser estimuladas a partir dos próprios projetos pedagógicos dos cursos de comunicação, se estes cursos passarem a preocupar-se não apenas com o mercado, mas sobretudo em ampliar os horizontes do seu corpo discente. Nas palavras de Flavio Andrade: «Ganhar dinheiro é indispensável, mas quando apenas esta filosofia é praticada, rever o conceito da profissão é preciso e urgente».
Outro aspecto a ser considerado diz respeito às contribuições que estes tipos de experiências proporcionam à relação professor-aluno. Quando o professor coloca-se lado a lado com o aluno, na condição de parceiro, uma nova dinâmica marca esta complexa relação. De um lado está o professor, aquele que, muitas vezes, recebe as queixas, as frustrações, as irritações e, também, os relatos sobre as dificuldades cotidianas enfrentadas pelos alunos. De outro, o aluno em busca de realizar o sonho de fazer um curso superior, mesmo considerando que muitos querem apenas um diploma a qualquer custo. Mas, no primeiro caso, o aluno demonstra interesse em crescer intelectualmente e o curso acaba sendo o único caminho para muitos que não tiveram condições de desenvolverem antes uma sólida formação cultural e educacional, especialmente, no caso de alunos de instituições particulares. Estes, em grande parte, enfrentam maior grau de dificuldade a começar pela necessidade que a maioria tem de trabalhar para pagar as mensalidades.
Diante deste cenário, a experiência da revista Griffe tem sido frutífera para os alunos e, a meu ver, para os professores envolvidos no projeto. Trata-se de uma empreitada que ajuda a instituir um novo tipo de parceria entre professor e aluno, ao mesmo tempo, em que se alinha ao fazer jornalístico marcado pelo humanismo e pelo compromisso com a reflexão crítica.
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¹ Texto apresentado no 3º Encontro de Professores de Jornalismo de São Paulo, ocorrido em Piracicaba, em outubro passado.
Referências
ANDRADE, Flavio F. A. Uma (interessante) alternativa aos jornais. Disponível em http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/asp?=430FDS006. Acesso em 18 set, 2007.
SAID, Gustavo Forte. Níveis, durações e tempos na leitura de um jornal – a Folha de S. Paulo e a construção histórica dos saques a supermercados. Disponível em http://www2.metodista.br/unesco/PCLA/revista9/observatorio%209-4.htm. Acesso em 7 ago, 2005.
(*) Ieda C. dos Santos, Professora de disciplinas teóricas e práticas do curso de Jornalismo da Universidade Paulista (UNIP/Campinas). Anteriormente, foi docente da PUC-Campinas, Universidade de Brasília e Universidade Católica de Brasília. E-mail: iedacosmo@terra.com.br.
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