A SAÚDE E A SUPERVALORIZAÇÃO DO BELO

Flavio F. A. Andrade
Às vezes é preciso discordar de alguns intelectuais que não perdem uma oportunidade de criticar sutil ou intensamente a mídia, no que diz respeito à supervalorização do belo, do corpo belo. Os discursos destes estudiosos não condizem com o histórico de vida das pessoas. Temos um bom exemplo no texto de Richard Miskolci, intitulado Corpos elétricos: do assujeitamento à estética da existência.
O texto é todo embasado na premissa de que a busca por um corpo belo pode causar problemas psicológicos. Para ele, as pessoas que buscam o corpo da moda, são hipócritas, assim como os meios de comunicação que promovem esta moda. Diz ele: «As técnicas de disciplina corporal são assujeitadoras porque criam não apenas corpos padronizados, mas também subjetividades controladas.» Neste ponto é preciso discordar de Miskolci e também de Francisco Ortega, citado no mesmo texto. A padronização citada por eles se refere às medidas de um corpo sadio. A crítica ao corpo belo provém, a meu ver, de uma inquietação, seja de ordem pessoal, ou coletiva. Sendo pessoal, reflete uma frustração por não conseguir, um dia, ter moldado o corpo como ele deve ser: magro e forte. Porque esta é, antes de mais nada, a forma de um corpo sadio. Para se obter este corpo sadio é preciso um policiamento constante. Ele requer disciplina inflexível e, quando não obtido, tem implícito questões emocionais mais graves.
David Zinczenko, no seu livro A dieta do abdômen, chama a atenção para uma pesquisa feita nos Estados Unidos em que 32% das mulheres apontaram os abdominais como os músculos que mais as atraem; em segundo lugar, aparecem os bíceps, com 17%. «Isso ocorre por um simples motivo: quem tem os abdominais definidos está dizendo ao mundo que é uma pessoa disciplinada, motivada, confiante, saudável; portanto, um parceiro ou parceira desejável. Às vezes um pouco de vaidade pode ser bom para a saúde», explica Zinczenko.
Uma das justificações mencionadas por alguns críticos para argumentar que a busca pelo corpo escultural é impossível é a falta de tempo (uma desculpa também usada por quem não consegue se organizar. Qualquer executivo, por mais ocupado que seja, com boa vontade e organização, consegue meia hora por dia para manter uma atividade física regular.
Para Zinczenko, «embora algumas pessoas possam pensar que o empenho em ter um abdômen (ou qualquer outra parte do corpo) definido seja algo superficial, não há nada de errado com este objetivo.»
Voltando ao texto de Miskolci, este ensaísta tenta justificar que a relação feita entre a forma física modelar e a saúde é errônea. «Um corpo belo nunca esteve tão exposto a formas desgastantes de exercícios», escreve. É verdade que para conseguir um corpo escultural é preciso levantar pesos, o chamado processo de hipertrofia, que consiste no aumento do número de células em um músculo. E o ganho de músculo vai além da simples estética. Está relacionado com a saúde. Zinczenko chama a atenção para este fator: «Claro que o desenvolvimento dos músculos não garante que alguém ficará longe dos hospitais para sempre, mas estudos demonstram que isso reduz a gordura corporal e diminui de forma considerável os fatores de risco associados a muitas doenças, não apenas às do coração.»
Este estilo de vida, quando bem administrado, contribui para a melhoria da saúde do indivíduo. Uma pessoa que pratica atividades físicas regulares tem em média uma pulsação de 52 batidas por minuto. Uma pessoa sedentária tem esta média elevada a 72 batimentos por minuto. De acordo com estudos médicos, este comportamento inerte contribui para elevar o batimento cardíaco e, consequentemente, diminuir a vida do coração. A Organização Mundial da Saúde calcula que até 1/3 do câncer de cólon dos rins e do aparelho digestivo é causado por excesso de peso e inatividade.
Não podemos generalizar e achar que todos estão nas academias em busca da estética e mesmo que o objetivo seja estético, os resultados à saúde consequentemente aparecem.
Por este motivo as tentativas de «propostas de reflexão sobre a possibilidade de recusa dos ideais normativos», como supõe Miskolci, vão contra às orientações médicas, e morrem nos herméticos campos acadêmicos.
Este discurso contra a exposição do corpo belo e da busca por definições corporais é utilizado quase que exclusivamente no circuito alternativo. É um discurso acadêmico, mas que acaba chegando à sociedade.
Outro exemplo desta abordagem crítica sobre a supervalorização dos corpos está no filme Bocaccio '70. Em uma das histórias do longa-metragem, intitulado: As tentações do Dr. Antonio, dirigida por Federico Fellini, um moralista obcecado, tenta, em vão, lutar contra a «perversão» exposta em um outdoor gigante que exibe uma mulher em pose sensual, propagando os benefícios do leite. O homem faz de tudo para acabar com a exposição da mulher maravilhosa exposta no outdoor, mas não consegue, por fim acaba se rendendo aos encantos do cartaz. O moralista, na verdade, sofre de distúrbios psíquicos e sexuais. Este personagem representa a figura dos críticos contemporâneos que tentam, em vão – como no filme de Fellini – combater a super valorização do belo na mídia. É como um adolescente nerd, magro e de óculos que, por qualquer razão, não consegue controlar seus impulsos depois de perder a namorada para um outro rapaz mais bonito, forte (e saudável, na visão subconsciente dela) e sai criticando e desmoralizando a namorada perdida.
Há certas coisas que, por mais que queiramos, não conseguimos mudar. Muita coisa está errada, muitas TVs, revistas e jornais usam palavras de ordem e se aproveitam dos padrões da moda para vender seus produtos, mas estes mesmos veículos contribuem muito para a melhora de vida na sociedade, a mesma sociedade «classe média» e «hipócrita» como supõe Richard Miskolci.
Comportamento humano
O comportamento humano é determinado pelas circunstâncias. Este conceito pode ser encontrado nos textos de Freud e Ortega. Para Freud, nós carregamos os problemas de ordem psicológica, somente se assim o quisermos. Neste sentido, dizer que a maioria da população está doente, com complexos de inferioridade, deprimidas por não poderem alcançar o tão almejado corpo é fazer um juízo errado do comportamento humano. De outra forma, teríamos que afirmar: estamos todos enfermos.
Não diria que defendo a mídia quando ela exibe «exageradamente» corpos sarados, no caso dos homens, e magros, no caso das mulheres. Mas não crítico este comportamento midiático, pois ele reflete a sociedade. A dominação das massas sempre existiu, utilizando-se a mídia como meio. Mas no caso da superexposição de corpos nus – e belos – a mídia não pode ser simplesmente apedrejada. Pelo contrário: revistas de comportamento e dieta prestam um serviço inestimável para a comunidade.
Não ignoramos a necessidade de venda e sobrevivência destes periódicos. Na maioria dos casos, o que é oferecido merece crédito. No entanto, existe também o preconceito e fórmulas mágicas para a venda rápida destas revistas. Como preconceito por parte dos meios de comunicação podemos citar um caso mencionado por Carlos Eduardo Fernandes na monografia Mídia, mitos estéticos e transtornos de comportamento: «O truque para não mostrar suas origens é usar um bom creme defrizante. Esse creme cria uma película protetora ao redor da fibra capilar e impede que ela absorva água.» (...) «Uma frase dessas, explica Fernandes, «deveria levar a revista, e a empresa patrocinadora, a serem processadas, racismo é crime. De frase em frase a revista vai construindo e reafirmando «padrões», desclassificando pessoas e criando preconceitos e discriminações.»
Neste ponto, uma análise pertinente e mais aprofundada, já que o negro, como sabemos, não faz parte do padrão que vemos nas revistas e TVs. Mas este fator não pode ser avaliado como preconceito, pois vivemos numa sociedade globalizada, onde o que mais se valoriza são certos tipos de corpos, elegidos por uma minoria, e seguidos pela maioria.
O engraçado de tudo isso é notar, em pessoas que seguem os padrões «impostos» pela mídia, um comportamento preconceituoso em relação ao que é diferente. Se não está na moda então não é fashion, é estranho e ridículo. Até certo momento, até a próxima moda, pois assim todos se acostumam com o novo. O comportamento segue um ciclo curto: primeiro o estranhamento, depois a aceitação e por fim a repetição. Às vezes uma moda proposta por uma simples pessoa pode se espalhar e romper fronteiras. Um modelo novo de cabelo, um piercing colocado num lugar que ninguém tinha pensado, enfim. Outras vezes nem mesmo uma gigantesca campanha publicitária é capaz de lançar moda. Tudo é regularizado pela sociedade, não pela mídia.
Seguindo este raciocínio em relação ao que é novo, podemos citar a recente criada moda do homem metrossexual. No início vista como algo estranho, mas aos poucos sendo aceita como algo absolutamente normal, pois o homem, assim como a mulher, precisa cuidar da estética, e consequentemente da higiene.
Os padrões estéticos com o tempo vão sendo substituídos por outros. Hoje, para o homem, a moda é peito e barriga raspados, abdômen tanquinho, e músculos saltando. Muitas mulheres, intelectuais ou não, ao serem perguntadas sobre o estilo ainda não aceitam. Para estas, homem tem que ser peludo, não faz manicure, não depila, não vai a um salão de beleza. Para algumas mulheres, o homem deve frequentar barbearia e ter o chamado «caminho da felicidade» logo abaixo da cintura, mesmo que isso ocasione frequentemente um acúmulo indesejável de bolinhas de algodão no umbigo. Homem não raspa as axilas, mesmo que esta prática seja muito mais higiênica.
Os intelectuais de plantão, exploram, com seus discursos moralistas, o fato de que alcançar o corpo escultural mostrado na mídia é apenas para atores e modelos que vivem para e por este motivo. Que é por isso que muita gente está doente, pois não conseguem atingir estes padrões. Mas eles esquecem de que por trás da beleza está uma qualidade de vida que não é possível tendo um corpo descuidado.
O corpo não foi feito para ficar parado. Com tanta tecnologia, o sedentarismo tomou conta das pessoas, que não conseguem praticar exercícios físicos por falta de «tempo». Esta é apenas uma desculpa, uma forma de encontrar um culpado para os problemas pessoais, para a falta de amor próprio. Devemos criticar estas revistas de moda, os comerciais de TV que mostram corpos saudáveis? Ao fazerem isso, os meios de comunicação nos dão modelos para nos espelhar, e ótimos motivos para tirar o corpo da inércia e ainda ficar mais em sintonia com a natureza.
Querer ser como os artistas e atores não é impossível, nem prejudicial. É saudável e seu coração agradece. Mas um intelectual que não liga para os padrões estéticos da sociedade contemporânea, e acha que sua barriguinha sobressalente é apenas seu estilo contestador, um modo de dizer que «sou diferente e daí?», que não se importa com a beleza do corpo, está, na verdade, contribuindo com a proliferação de doenças que poderiam ser evitadas.
O importante é não generalizar. Podemos não conseguir muitos músculos, lábios carnudos, seios firmes e arredondados. Mas algumas medidas corporais, como a cintura, e gordura corporal, não são apenas padrões estéticos impostos pela mídia. São uma questão de saúde.
Na concepção de Yukio Mishima, escritor japonês, «o corpo é o que se é, e um corpo fraco e vacilante não tem outra saída senão conter um espírito correspondente». Por que não o culto ao corpo saudável?
Referências
FERNANDEZ, C.E.; FERRO, Suely. Mídia, mitos estéticos e transtornos de comportamento. 2007. 240f. Monografia (Graduação em Jornalismo) – Faculdade de Comunicação Social – Jornalismo, Faculdade UNIP, Jundiaí.
MISKOLCI, Richard. Corpos elétricos: do assujeitamento à estética da existência. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 2007.
ZINCZENKO, David. A dieta do abdômen. 3. Ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2005.
(*) Flavio F. A. Andrade, editor e idealizador da revista Griffe. Jornalista e fotógrafo, iniciou a carreira no terceiro setor. Organizador dos livros Griffensaios e Griffespaços.
Às vezes é preciso discordar de alguns intelectuais que não perdem uma oportunidade de criticar sutil ou intensamente a mídia, no que diz respeito à supervalorização do belo, do corpo belo. Os discursos destes estudiosos não condizem com o histórico de vida das pessoas. Temos um bom exemplo no texto de Richard Miskolci, intitulado Corpos elétricos: do assujeitamento à estética da existência.
O texto é todo embasado na premissa de que a busca por um corpo belo pode causar problemas psicológicos. Para ele, as pessoas que buscam o corpo da moda, são hipócritas, assim como os meios de comunicação que promovem esta moda. Diz ele: «As técnicas de disciplina corporal são assujeitadoras porque criam não apenas corpos padronizados, mas também subjetividades controladas.» Neste ponto é preciso discordar de Miskolci e também de Francisco Ortega, citado no mesmo texto. A padronização citada por eles se refere às medidas de um corpo sadio. A crítica ao corpo belo provém, a meu ver, de uma inquietação, seja de ordem pessoal, ou coletiva. Sendo pessoal, reflete uma frustração por não conseguir, um dia, ter moldado o corpo como ele deve ser: magro e forte. Porque esta é, antes de mais nada, a forma de um corpo sadio. Para se obter este corpo sadio é preciso um policiamento constante. Ele requer disciplina inflexível e, quando não obtido, tem implícito questões emocionais mais graves.
David Zinczenko, no seu livro A dieta do abdômen, chama a atenção para uma pesquisa feita nos Estados Unidos em que 32% das mulheres apontaram os abdominais como os músculos que mais as atraem; em segundo lugar, aparecem os bíceps, com 17%. «Isso ocorre por um simples motivo: quem tem os abdominais definidos está dizendo ao mundo que é uma pessoa disciplinada, motivada, confiante, saudável; portanto, um parceiro ou parceira desejável. Às vezes um pouco de vaidade pode ser bom para a saúde», explica Zinczenko.
Uma das justificações mencionadas por alguns críticos para argumentar que a busca pelo corpo escultural é impossível é a falta de tempo (uma desculpa também usada por quem não consegue se organizar. Qualquer executivo, por mais ocupado que seja, com boa vontade e organização, consegue meia hora por dia para manter uma atividade física regular.
Para Zinczenko, «embora algumas pessoas possam pensar que o empenho em ter um abdômen (ou qualquer outra parte do corpo) definido seja algo superficial, não há nada de errado com este objetivo.»
Voltando ao texto de Miskolci, este ensaísta tenta justificar que a relação feita entre a forma física modelar e a saúde é errônea. «Um corpo belo nunca esteve tão exposto a formas desgastantes de exercícios», escreve. É verdade que para conseguir um corpo escultural é preciso levantar pesos, o chamado processo de hipertrofia, que consiste no aumento do número de células em um músculo. E o ganho de músculo vai além da simples estética. Está relacionado com a saúde. Zinczenko chama a atenção para este fator: «Claro que o desenvolvimento dos músculos não garante que alguém ficará longe dos hospitais para sempre, mas estudos demonstram que isso reduz a gordura corporal e diminui de forma considerável os fatores de risco associados a muitas doenças, não apenas às do coração.»
Este estilo de vida, quando bem administrado, contribui para a melhoria da saúde do indivíduo. Uma pessoa que pratica atividades físicas regulares tem em média uma pulsação de 52 batidas por minuto. Uma pessoa sedentária tem esta média elevada a 72 batimentos por minuto. De acordo com estudos médicos, este comportamento inerte contribui para elevar o batimento cardíaco e, consequentemente, diminuir a vida do coração. A Organização Mundial da Saúde calcula que até 1/3 do câncer de cólon dos rins e do aparelho digestivo é causado por excesso de peso e inatividade.
Não podemos generalizar e achar que todos estão nas academias em busca da estética e mesmo que o objetivo seja estético, os resultados à saúde consequentemente aparecem.
Por este motivo as tentativas de «propostas de reflexão sobre a possibilidade de recusa dos ideais normativos», como supõe Miskolci, vão contra às orientações médicas, e morrem nos herméticos campos acadêmicos.
Este discurso contra a exposição do corpo belo e da busca por definições corporais é utilizado quase que exclusivamente no circuito alternativo. É um discurso acadêmico, mas que acaba chegando à sociedade.
Outro exemplo desta abordagem crítica sobre a supervalorização dos corpos está no filme Bocaccio '70. Em uma das histórias do longa-metragem, intitulado: As tentações do Dr. Antonio, dirigida por Federico Fellini, um moralista obcecado, tenta, em vão, lutar contra a «perversão» exposta em um outdoor gigante que exibe uma mulher em pose sensual, propagando os benefícios do leite. O homem faz de tudo para acabar com a exposição da mulher maravilhosa exposta no outdoor, mas não consegue, por fim acaba se rendendo aos encantos do cartaz. O moralista, na verdade, sofre de distúrbios psíquicos e sexuais. Este personagem representa a figura dos críticos contemporâneos que tentam, em vão – como no filme de Fellini – combater a super valorização do belo na mídia. É como um adolescente nerd, magro e de óculos que, por qualquer razão, não consegue controlar seus impulsos depois de perder a namorada para um outro rapaz mais bonito, forte (e saudável, na visão subconsciente dela) e sai criticando e desmoralizando a namorada perdida.
Há certas coisas que, por mais que queiramos, não conseguimos mudar. Muita coisa está errada, muitas TVs, revistas e jornais usam palavras de ordem e se aproveitam dos padrões da moda para vender seus produtos, mas estes mesmos veículos contribuem muito para a melhora de vida na sociedade, a mesma sociedade «classe média» e «hipócrita» como supõe Richard Miskolci.
Comportamento humano
O comportamento humano é determinado pelas circunstâncias. Este conceito pode ser encontrado nos textos de Freud e Ortega. Para Freud, nós carregamos os problemas de ordem psicológica, somente se assim o quisermos. Neste sentido, dizer que a maioria da população está doente, com complexos de inferioridade, deprimidas por não poderem alcançar o tão almejado corpo é fazer um juízo errado do comportamento humano. De outra forma, teríamos que afirmar: estamos todos enfermos.
Não diria que defendo a mídia quando ela exibe «exageradamente» corpos sarados, no caso dos homens, e magros, no caso das mulheres. Mas não crítico este comportamento midiático, pois ele reflete a sociedade. A dominação das massas sempre existiu, utilizando-se a mídia como meio. Mas no caso da superexposição de corpos nus – e belos – a mídia não pode ser simplesmente apedrejada. Pelo contrário: revistas de comportamento e dieta prestam um serviço inestimável para a comunidade.
Não ignoramos a necessidade de venda e sobrevivência destes periódicos. Na maioria dos casos, o que é oferecido merece crédito. No entanto, existe também o preconceito e fórmulas mágicas para a venda rápida destas revistas. Como preconceito por parte dos meios de comunicação podemos citar um caso mencionado por Carlos Eduardo Fernandes na monografia Mídia, mitos estéticos e transtornos de comportamento: «O truque para não mostrar suas origens é usar um bom creme defrizante. Esse creme cria uma película protetora ao redor da fibra capilar e impede que ela absorva água.» (...) «Uma frase dessas, explica Fernandes, «deveria levar a revista, e a empresa patrocinadora, a serem processadas, racismo é crime. De frase em frase a revista vai construindo e reafirmando «padrões», desclassificando pessoas e criando preconceitos e discriminações.»
Neste ponto, uma análise pertinente e mais aprofundada, já que o negro, como sabemos, não faz parte do padrão que vemos nas revistas e TVs. Mas este fator não pode ser avaliado como preconceito, pois vivemos numa sociedade globalizada, onde o que mais se valoriza são certos tipos de corpos, elegidos por uma minoria, e seguidos pela maioria.
O engraçado de tudo isso é notar, em pessoas que seguem os padrões «impostos» pela mídia, um comportamento preconceituoso em relação ao que é diferente. Se não está na moda então não é fashion, é estranho e ridículo. Até certo momento, até a próxima moda, pois assim todos se acostumam com o novo. O comportamento segue um ciclo curto: primeiro o estranhamento, depois a aceitação e por fim a repetição. Às vezes uma moda proposta por uma simples pessoa pode se espalhar e romper fronteiras. Um modelo novo de cabelo, um piercing colocado num lugar que ninguém tinha pensado, enfim. Outras vezes nem mesmo uma gigantesca campanha publicitária é capaz de lançar moda. Tudo é regularizado pela sociedade, não pela mídia.
Seguindo este raciocínio em relação ao que é novo, podemos citar a recente criada moda do homem metrossexual. No início vista como algo estranho, mas aos poucos sendo aceita como algo absolutamente normal, pois o homem, assim como a mulher, precisa cuidar da estética, e consequentemente da higiene.
Os padrões estéticos com o tempo vão sendo substituídos por outros. Hoje, para o homem, a moda é peito e barriga raspados, abdômen tanquinho, e músculos saltando. Muitas mulheres, intelectuais ou não, ao serem perguntadas sobre o estilo ainda não aceitam. Para estas, homem tem que ser peludo, não faz manicure, não depila, não vai a um salão de beleza. Para algumas mulheres, o homem deve frequentar barbearia e ter o chamado «caminho da felicidade» logo abaixo da cintura, mesmo que isso ocasione frequentemente um acúmulo indesejável de bolinhas de algodão no umbigo. Homem não raspa as axilas, mesmo que esta prática seja muito mais higiênica.
Os intelectuais de plantão, exploram, com seus discursos moralistas, o fato de que alcançar o corpo escultural mostrado na mídia é apenas para atores e modelos que vivem para e por este motivo. Que é por isso que muita gente está doente, pois não conseguem atingir estes padrões. Mas eles esquecem de que por trás da beleza está uma qualidade de vida que não é possível tendo um corpo descuidado.
O corpo não foi feito para ficar parado. Com tanta tecnologia, o sedentarismo tomou conta das pessoas, que não conseguem praticar exercícios físicos por falta de «tempo». Esta é apenas uma desculpa, uma forma de encontrar um culpado para os problemas pessoais, para a falta de amor próprio. Devemos criticar estas revistas de moda, os comerciais de TV que mostram corpos saudáveis? Ao fazerem isso, os meios de comunicação nos dão modelos para nos espelhar, e ótimos motivos para tirar o corpo da inércia e ainda ficar mais em sintonia com a natureza.
Querer ser como os artistas e atores não é impossível, nem prejudicial. É saudável e seu coração agradece. Mas um intelectual que não liga para os padrões estéticos da sociedade contemporânea, e acha que sua barriguinha sobressalente é apenas seu estilo contestador, um modo de dizer que «sou diferente e daí?», que não se importa com a beleza do corpo, está, na verdade, contribuindo com a proliferação de doenças que poderiam ser evitadas.
O importante é não generalizar. Podemos não conseguir muitos músculos, lábios carnudos, seios firmes e arredondados. Mas algumas medidas corporais, como a cintura, e gordura corporal, não são apenas padrões estéticos impostos pela mídia. São uma questão de saúde.
Na concepção de Yukio Mishima, escritor japonês, «o corpo é o que se é, e um corpo fraco e vacilante não tem outra saída senão conter um espírito correspondente». Por que não o culto ao corpo saudável?
Referências
FERNANDEZ, C.E.; FERRO, Suely. Mídia, mitos estéticos e transtornos de comportamento. 2007. 240f. Monografia (Graduação em Jornalismo) – Faculdade de Comunicação Social – Jornalismo, Faculdade UNIP, Jundiaí.
MISKOLCI, Richard. Corpos elétricos: do assujeitamento à estética da existência. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 2007.
ZINCZENKO, David. A dieta do abdômen. 3. Ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2005.
(*) Flavio F. A. Andrade, editor e idealizador da revista Griffe. Jornalista e fotógrafo, iniciou a carreira no terceiro setor. Organizador dos livros Griffensaios e Griffespaços.
Comentários