O PROJETO ARQUITETÔNICO - TEORIA DE UMA PRÁTICA MILENAR

Juan Droguett
A arquitetura para a grande maioria das pessoas é a própria estrutura da realidade, é «presença» ou âmbito dos objetos. Literalmente, é tijolo, argamassa, vidro, madeira ou metal; casa e lar, refúgio e recinto ao mesmo tempo. No entanto, à arquitetura comparecem duas problemáticas que definem o campo de ação dessa prática milenar: uma teórica, relacionada com o projeto; outra prática, relativa à sua execução. Estes dois eixos estão na base da reflexão estética sobre a arquitetura como uma experiência do tempo e do espaço com o qual somos sempre contemporâneos.
A reflexão de Platão e Aristóteles sobre a função da arquitetura lança a metáfora do «saber orientado para um fim» que estimula a prática e o conhecimento da arte, a cuja funcionalidade e estabilidade dos seus objetos deve-se acrescentar a qualidade estética que os distingue da mera execução ou técnica de um trabalho.
Na história da arquitetura, a figura de Quintiliano representa uma referência não só porque fez de Roma a capital de um mega Império, mas também por pensar que além das artes «teóricas» e «práticas» devia existir uma terceira categoria para distinguir a beleza na arte de construir, que considera a arte como intuição, produzindo imagens que estão aquém do julgamento da realidade, aquém, portanto, da percepção que distingue o real histórico do imaginário, situando o fazer em arquitetura como uma prática simbólica, no sentido mais original da palavra, a união entre as realidades celestiais e terrenas, assim como o faziam as colunas que sustentavam o templo. Desse legado primordial, Vitrúvio começa a pensar quais seriam as virtudes do arquiteto, assinalando que este deve acrescentar a seu talento individual e à prática de seu ofício, uma bagagem de conhecimentos teóricos, físicos e mecânicos, um método ao qual há de se consagrar como um sacerdote na sua correta aplicação.
As Belas Artes são constitutivas do traçado arquitetônico, pois determinam os critérios da proporção, da ordem e da perfeição que representam os aspectos formais da construção. Sempre dividida na avaliação entre a teoria e a prática, entre o momento do projeto e a experiência da construção, as modernas teorias da arquitetura aparecem como a reflexão que rapidamente se distinguem do campo das doutrinas técnicas, mas que também concordam com a ênfase na definição da mesma como arte pela via da finalidade, utilidade e função.
De qualquer forma, o caráter antropológico da arquitetura é dado porque o natural é para o empreendimento primitivo: a possibilidade de o ser humano construir suas habitações, pela necessidade de melhorar suas condições de vida através do uso regulado dos princípios que pautam a construção.
Para Emmanuel Kant, a adequação do uso é também um traço distintivo da beleza arquitetônica, a qual não pode «agradar a si mesma», nem se conformar com o princípio do desinteresse estético, dado que pressupõe a correspondência a um fim determinado, logo a união do belo e o bom configura o princípio das ciências normativas da ética e da estética, segundo a pregação oracular de Aristóteles.
Hegel afirma que a arquitetura é «a primeira arte», sendo o templo uma das primeiras manifestações da atividade humana imposta não só pelas necessidades imediatas, mas também pelas exigências estéticas da sensibilidade humana, inscritas na experiência da percepção do mundo exterior.
A estetização do conceito de função é o meio que permite que as inúmeras teorias da arquitetura na modernidade se embasem parcialmente no positivismo e na socialização, mantendo um fundo de romantismo e utopia. Entretanto, os problemas da correspondência funcional aos materiais, da inovação tecnológica, da relação com a engenharia civil e com a economia, como de projetar o espaço na cidade em expansão e progresso, dão ao projeto arquitetônico, a seus valores específicos e à sua sensibilidade cultural um papel central no desenho da ordem social.
A idéia da arquitetura como expressão das estruturas históricas foi substituída pela convicção de que o projeto arquitetônico pode investir para dirigir e modificar a ordem temporal e espacial do planeta.
As teorias contemporâneas da arquitetura libertas já de todo dogmatismo e de qualquer pretensão normativa estética valorizam nos dias de hoje a complexidade da arquitetura, prática construtiva politécnica que é, ao mesmo tempo, arte e não arte, disciplina científica e processo inventivo. As teorias de raízes sociológicas diagnosticam a sua própria crise como não sendo só conceitual, mas, sobretudo, de função social, face aos problemas suscitados pelas transformações históricas que não parecem reconciliáveis com a dimensão racional do projeto.
O projeto arquitetônico se define como um detonante de um processo cultural teórico e prático, e não como uma «prática» ou «operacionalização», inocente enquanto a seus pressupostos teórico-lógicos, éticos e estéticos. Pelo contrário, um projeto de arquitetura é como um teorema de matemática, define um mundo teórico e um jogo de possibilidades práticas de forma solidária, sem que nem um nem o outro possam anular a arte de construir. Teoria e prática em arquitetura são duas caras de uma mesma moeda.
Em última instância, a finalidade desta matéria para a revista Griffe só pretende refletir sobre o futuro da arquitetura a partir do presente, com a experiência que nos dá a velhice da humanidade, mas também com a ilusão de uma infância futura que há de vir, já que, no fundo, a arquitetura não é mais nem menos que uma conexão vital entre o nascimento e a morte. Mais exatamente, seguindo Walter Benjamin, a arquitetura «traduz» a passagem do berço à tumba e da tumba ao berço, «tradução» que, com Platão e com Kant, nos obriga a coordenar a vida do universo e a história da cultura humana em cada ato arquitetônico. Contudo, haverá que avançar com determinação até o fim dos tempos para daí descobrir o princípio das coisas.
A arquitetura para a grande maioria das pessoas é a própria estrutura da realidade, é «presença» ou âmbito dos objetos. Literalmente, é tijolo, argamassa, vidro, madeira ou metal; casa e lar, refúgio e recinto ao mesmo tempo. No entanto, à arquitetura comparecem duas problemáticas que definem o campo de ação dessa prática milenar: uma teórica, relacionada com o projeto; outra prática, relativa à sua execução. Estes dois eixos estão na base da reflexão estética sobre a arquitetura como uma experiência do tempo e do espaço com o qual somos sempre contemporâneos.
A reflexão de Platão e Aristóteles sobre a função da arquitetura lança a metáfora do «saber orientado para um fim» que estimula a prática e o conhecimento da arte, a cuja funcionalidade e estabilidade dos seus objetos deve-se acrescentar a qualidade estética que os distingue da mera execução ou técnica de um trabalho.
Na história da arquitetura, a figura de Quintiliano representa uma referência não só porque fez de Roma a capital de um mega Império, mas também por pensar que além das artes «teóricas» e «práticas» devia existir uma terceira categoria para distinguir a beleza na arte de construir, que considera a arte como intuição, produzindo imagens que estão aquém do julgamento da realidade, aquém, portanto, da percepção que distingue o real histórico do imaginário, situando o fazer em arquitetura como uma prática simbólica, no sentido mais original da palavra, a união entre as realidades celestiais e terrenas, assim como o faziam as colunas que sustentavam o templo. Desse legado primordial, Vitrúvio começa a pensar quais seriam as virtudes do arquiteto, assinalando que este deve acrescentar a seu talento individual e à prática de seu ofício, uma bagagem de conhecimentos teóricos, físicos e mecânicos, um método ao qual há de se consagrar como um sacerdote na sua correta aplicação.
As Belas Artes são constitutivas do traçado arquitetônico, pois determinam os critérios da proporção, da ordem e da perfeição que representam os aspectos formais da construção. Sempre dividida na avaliação entre a teoria e a prática, entre o momento do projeto e a experiência da construção, as modernas teorias da arquitetura aparecem como a reflexão que rapidamente se distinguem do campo das doutrinas técnicas, mas que também concordam com a ênfase na definição da mesma como arte pela via da finalidade, utilidade e função.
De qualquer forma, o caráter antropológico da arquitetura é dado porque o natural é para o empreendimento primitivo: a possibilidade de o ser humano construir suas habitações, pela necessidade de melhorar suas condições de vida através do uso regulado dos princípios que pautam a construção.
Para Emmanuel Kant, a adequação do uso é também um traço distintivo da beleza arquitetônica, a qual não pode «agradar a si mesma», nem se conformar com o princípio do desinteresse estético, dado que pressupõe a correspondência a um fim determinado, logo a união do belo e o bom configura o princípio das ciências normativas da ética e da estética, segundo a pregação oracular de Aristóteles.
Hegel afirma que a arquitetura é «a primeira arte», sendo o templo uma das primeiras manifestações da atividade humana imposta não só pelas necessidades imediatas, mas também pelas exigências estéticas da sensibilidade humana, inscritas na experiência da percepção do mundo exterior.
A estetização do conceito de função é o meio que permite que as inúmeras teorias da arquitetura na modernidade se embasem parcialmente no positivismo e na socialização, mantendo um fundo de romantismo e utopia. Entretanto, os problemas da correspondência funcional aos materiais, da inovação tecnológica, da relação com a engenharia civil e com a economia, como de projetar o espaço na cidade em expansão e progresso, dão ao projeto arquitetônico, a seus valores específicos e à sua sensibilidade cultural um papel central no desenho da ordem social.
A idéia da arquitetura como expressão das estruturas históricas foi substituída pela convicção de que o projeto arquitetônico pode investir para dirigir e modificar a ordem temporal e espacial do planeta.
As teorias contemporâneas da arquitetura libertas já de todo dogmatismo e de qualquer pretensão normativa estética valorizam nos dias de hoje a complexidade da arquitetura, prática construtiva politécnica que é, ao mesmo tempo, arte e não arte, disciplina científica e processo inventivo. As teorias de raízes sociológicas diagnosticam a sua própria crise como não sendo só conceitual, mas, sobretudo, de função social, face aos problemas suscitados pelas transformações históricas que não parecem reconciliáveis com a dimensão racional do projeto.
O projeto arquitetônico se define como um detonante de um processo cultural teórico e prático, e não como uma «prática» ou «operacionalização», inocente enquanto a seus pressupostos teórico-lógicos, éticos e estéticos. Pelo contrário, um projeto de arquitetura é como um teorema de matemática, define um mundo teórico e um jogo de possibilidades práticas de forma solidária, sem que nem um nem o outro possam anular a arte de construir. Teoria e prática em arquitetura são duas caras de uma mesma moeda.
Em última instância, a finalidade desta matéria para a revista Griffe só pretende refletir sobre o futuro da arquitetura a partir do presente, com a experiência que nos dá a velhice da humanidade, mas também com a ilusão de uma infância futura que há de vir, já que, no fundo, a arquitetura não é mais nem menos que uma conexão vital entre o nascimento e a morte. Mais exatamente, seguindo Walter Benjamin, a arquitetura «traduz» a passagem do berço à tumba e da tumba ao berço, «tradução» que, com Platão e com Kant, nos obriga a coordenar a vida do universo e a história da cultura humana em cada ato arquitetônico. Contudo, haverá que avançar com determinação até o fim dos tempos para daí descobrir o princípio das coisas.
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