A vida tem diversas formas de ensinar: abra os olhos

CADU VILLA LOBOS
Nosso revelado desta edição é um cego. Fisicamente ele se parece com George W. Bush... mas enxerga diferente!
Vou propor um exercício pra você leitor: se tranque no seu quarto à noite, apague a luz e tente andar pelo quarto, sentir os móveis, escutar os sons... coma uma macã, sinta a textura, a forma, o cheiro, o gosto... tudo bem devagar. Esse exercício não é para você se sentir cego, mas para despertar seus sentidos adormecidos.
João Carlos do Prado, 56, nasceu em São Paulo, mas mora em Jundiaí há 16 anos. É casado e tem três filhas: Érica, 33, Monique, 28 e Bianca, 26. Também é avô de Beatriz, 7 anos, filha de Érica.
Até 1982, João levava uma vida normal, como qualquer pessoa, mas, por destino ou fatalidade, foi nesse ano que tudo mudou. Certa noite, quando voltava de um aniversário, por volta das 23 horas, dirigindo seu carro na avenida dos Estados em São Paulo, perdeu o controle da direção, talvez por estar um pouco “alto”, como ressaltou, e acabou batendo em uma Brasília. Seu veículo caiu em um buraco e capotou. No acidente, por estar sem cinto de segurança, sua cabeça foi arremessada contra o pára-brisa e seus olhos foram seriamente atingidos pelos fragmentos do vidro estilhaçado. Perdeu completamente a visão do olho direito, que vazou no local, e após várias cirurgias conseguiu manter, com o uso permanente de uma lente de 15 graus, 40% da visão do olho esquerdo. Ficou 5 anos afastado do trabalho e se aposentou por invalidez em 1987. Depois de alguns anos adquiriu diabetes. A cegueira do olho esquerdo continuou progredindo e em 2000 João ficou totalmente cego, aos 49 anos de idade. Muitos teriam desistido. O João não!
Mas o que há de especial nesta história para João estar aqui no revele-se? Tudo! Acompanhe. Primeiro porque no relato acima João faz dois alertas para os motoristas: “Só bati o carro porque tinha bebido, não muito, mas tinha bebido, isso tirou meu reflexo. Nunca beba quando for dirigir.” e: “Se eu estivesse com o cinto de segurança teria batido, mas não teria ficado cego. O que me cegou foi bater com a cara no pára-brisa. Cinto de segurança é fundamental”.
Mas não é apenas por esses alertas que o João é uma pessoa muito especial. Já no começo desta entrevista, sempre muito bem humorado, ele disse: “Se a vida te der um limão, faça uma limonada.” E continuou: “o que não me destrói, me faz mais forte!” Quantas pessoas, depois de uma fatalidade como a dele, têm essa disposição, esse bom humor? Aí está o segredo do João, ele não se revoltou contra tudo e todos, pelo contrário, tirou proveito de sua tragédia para crescer. Como ele mesmo afirmou: “eu fiz mais em 7 anos de cegueira do que em 49 de visão”.
De 2000 para cá, o João aprendeu a ler Braile, a usar a bengala para se locomover, fez informática com programas especiais para cegos, fez cursos de língua portuguesa e de telemarketing, aceitou Deus em sua vida, aprendeu a correr com a ajuda da bengala e corre uma hora todos os dias no Bolão, participa de mini maratonas com a ajuda de guias, passa e lava suas roupas, decorou os caminhos de todo o centro de Jundiaí, sabe onde está cada rua, cada poste, cada loja e sai sozinho para todos os lugares, esquenta sua comida, separa suas roupas e faz combinações pela textura dos tecidos, faz feira, fez inúmeros amigos, levanta as cinco da manhã, cuida de seu papagaio de estimação, de suas plantas, participa de várias entidades para cegos, ouve a revista “Veja Falada” todas as semanas, que é distribuída para cegos cadastrados na Fundação Dorina Nowill para Cegos, ouve rádio, é muito bem informado sobre tudo que se passa no país e no mundo, está em um livro que será lançado em breve sobre cegos, está aprendendo violão com intenção de aprender violino, faz curso de quick massage com projeto de montar um negócio e é uma pessoa muito gentil e doce. É pouco? Eu não faço tudo isso. Você faz?
Mas ele não pára, diz que depois da cegueira total, algo aconteceu e ele começou a enxergar realmente a vida. Outra de suas frases: “Quando eu enxergava eu não via, agora que sou cego enxergo tudo”, as únicas coisas que o incomodam um pouco são: muito barulho, pois ele perde a noção de audição e se confunde um pouco e a diabetes que o impede de comer o que quer.
Algumas histórias engraçadas do João: “uma vez eu estava no ônibus e, na hora de descer, eu, no último degrau da escada, passava a bengala e não sentia o chão, estava muito alto, de repente alguém gritou: “deixa que eu resolvo!” Um cara me pegou pela cintura como se eu fosse um boneco e me colocou na guia, fiquei muito bravo, depois ri muito com o acontecido”. Outra: “fui ao banco e o funcionário me falou: - O senhor pode pegar aquela fila ali para deficientes. E eu disse: que fila?” Mais uma: “eu cheguei no ponto de ônibus uma vez perguntei sobre um itinerário para um homem e ele, na maior boa vontade, me passou as informações, só que gritando: - É, é aqui o ponto, daqui a pouco ele passa, deixa que eu te aviso, já tá quase na hora... E eu falei pro homem: - Moço, eu sou cego, não surdo!”. Em outra situação: “teve uma mulher que me falava tudo pausadamente, como se separasse as sílabas, de-va-gar, e eu pensei, pôxa, eu sou cego, não retardado. Aprendi a ser mais paciente e tolerante com as pessoas. Tudo me acrescenta algo”.
O que o João tentou mostrar com essas histórias é que as pessoas têm boas intenções com os deficientes físicos, mas não sabem lidar com as várias deficiências existentes da forma mais adequada, às vezes, tentando ajudar, acabam por frustrar o deficiente ou prejudicá-lo sem querer. É impressionante como reclamamos de tudo.
Nós somos perfeitos, reclamar do quê? Podemos fazer tudo sozinhos e não fazemos, podemos ser o que quisermos e não somos, podemos ir para onde quisermos e não vamos! Que belo exemplo é o João, faz muito e quer fazer mais ainda. Ficou cego, mas desenvolveu mais a audição, o olfato, o tato e o paladar. Com 49 anos, teve disposição e entusiasmo para reaprender tudo, ele não nasceu cego. Cresceu muito e continua crescendo. Fechou os olhos mas abriu a mente, vê e sente tudo o que nós “enxergantes” deixamos passar, aproveita a vida fazendo e não reclamando. Está em contato consigo mesmo, com a natureza e com o mundo.
Nós ficamos fechados em nossa visão cega, nos “preservando” não sabemos do quê, e a vida vai passando. Faça como o João, siga seus sonhos, acredite em você, faça mais da vida, torne-se mais produtivo, ativo, interessante. Afinal, não nos afogamos por cair na água, e sim por ficar lá.
O homem só morre quando seus sonhos morrem; enquanto estivermos respirando e sonhando podemos mudar tudo. Insanidade é fazer sempre as mesmas coisas e querer obter resultados diferentes. Mude e tudo mudará junto. O João é prova disso.
Nosso revelado desta edição é um cego. Fisicamente ele se parece com George W. Bush... mas enxerga diferente!
Vou propor um exercício pra você leitor: se tranque no seu quarto à noite, apague a luz e tente andar pelo quarto, sentir os móveis, escutar os sons... coma uma macã, sinta a textura, a forma, o cheiro, o gosto... tudo bem devagar. Esse exercício não é para você se sentir cego, mas para despertar seus sentidos adormecidos.
João Carlos do Prado, 56, nasceu em São Paulo, mas mora em Jundiaí há 16 anos. É casado e tem três filhas: Érica, 33, Monique, 28 e Bianca, 26. Também é avô de Beatriz, 7 anos, filha de Érica.
Até 1982, João levava uma vida normal, como qualquer pessoa, mas, por destino ou fatalidade, foi nesse ano que tudo mudou. Certa noite, quando voltava de um aniversário, por volta das 23 horas, dirigindo seu carro na avenida dos Estados em São Paulo, perdeu o controle da direção, talvez por estar um pouco “alto”, como ressaltou, e acabou batendo em uma Brasília. Seu veículo caiu em um buraco e capotou. No acidente, por estar sem cinto de segurança, sua cabeça foi arremessada contra o pára-brisa e seus olhos foram seriamente atingidos pelos fragmentos do vidro estilhaçado. Perdeu completamente a visão do olho direito, que vazou no local, e após várias cirurgias conseguiu manter, com o uso permanente de uma lente de 15 graus, 40% da visão do olho esquerdo. Ficou 5 anos afastado do trabalho e se aposentou por invalidez em 1987. Depois de alguns anos adquiriu diabetes. A cegueira do olho esquerdo continuou progredindo e em 2000 João ficou totalmente cego, aos 49 anos de idade. Muitos teriam desistido. O João não!
Mas o que há de especial nesta história para João estar aqui no revele-se? Tudo! Acompanhe. Primeiro porque no relato acima João faz dois alertas para os motoristas: “Só bati o carro porque tinha bebido, não muito, mas tinha bebido, isso tirou meu reflexo. Nunca beba quando for dirigir.” e: “Se eu estivesse com o cinto de segurança teria batido, mas não teria ficado cego. O que me cegou foi bater com a cara no pára-brisa. Cinto de segurança é fundamental”.
Mas não é apenas por esses alertas que o João é uma pessoa muito especial. Já no começo desta entrevista, sempre muito bem humorado, ele disse: “Se a vida te der um limão, faça uma limonada.” E continuou: “o que não me destrói, me faz mais forte!” Quantas pessoas, depois de uma fatalidade como a dele, têm essa disposição, esse bom humor? Aí está o segredo do João, ele não se revoltou contra tudo e todos, pelo contrário, tirou proveito de sua tragédia para crescer. Como ele mesmo afirmou: “eu fiz mais em 7 anos de cegueira do que em 49 de visão”.
De 2000 para cá, o João aprendeu a ler Braile, a usar a bengala para se locomover, fez informática com programas especiais para cegos, fez cursos de língua portuguesa e de telemarketing, aceitou Deus em sua vida, aprendeu a correr com a ajuda da bengala e corre uma hora todos os dias no Bolão, participa de mini maratonas com a ajuda de guias, passa e lava suas roupas, decorou os caminhos de todo o centro de Jundiaí, sabe onde está cada rua, cada poste, cada loja e sai sozinho para todos os lugares, esquenta sua comida, separa suas roupas e faz combinações pela textura dos tecidos, faz feira, fez inúmeros amigos, levanta as cinco da manhã, cuida de seu papagaio de estimação, de suas plantas, participa de várias entidades para cegos, ouve a revista “Veja Falada” todas as semanas, que é distribuída para cegos cadastrados na Fundação Dorina Nowill para Cegos, ouve rádio, é muito bem informado sobre tudo que se passa no país e no mundo, está em um livro que será lançado em breve sobre cegos, está aprendendo violão com intenção de aprender violino, faz curso de quick massage com projeto de montar um negócio e é uma pessoa muito gentil e doce. É pouco? Eu não faço tudo isso. Você faz?
Mas ele não pára, diz que depois da cegueira total, algo aconteceu e ele começou a enxergar realmente a vida. Outra de suas frases: “Quando eu enxergava eu não via, agora que sou cego enxergo tudo”, as únicas coisas que o incomodam um pouco são: muito barulho, pois ele perde a noção de audição e se confunde um pouco e a diabetes que o impede de comer o que quer.
Algumas histórias engraçadas do João: “uma vez eu estava no ônibus e, na hora de descer, eu, no último degrau da escada, passava a bengala e não sentia o chão, estava muito alto, de repente alguém gritou: “deixa que eu resolvo!” Um cara me pegou pela cintura como se eu fosse um boneco e me colocou na guia, fiquei muito bravo, depois ri muito com o acontecido”. Outra: “fui ao banco e o funcionário me falou: - O senhor pode pegar aquela fila ali para deficientes. E eu disse: que fila?” Mais uma: “eu cheguei no ponto de ônibus uma vez perguntei sobre um itinerário para um homem e ele, na maior boa vontade, me passou as informações, só que gritando: - É, é aqui o ponto, daqui a pouco ele passa, deixa que eu te aviso, já tá quase na hora... E eu falei pro homem: - Moço, eu sou cego, não surdo!”. Em outra situação: “teve uma mulher que me falava tudo pausadamente, como se separasse as sílabas, de-va-gar, e eu pensei, pôxa, eu sou cego, não retardado. Aprendi a ser mais paciente e tolerante com as pessoas. Tudo me acrescenta algo”.
O que o João tentou mostrar com essas histórias é que as pessoas têm boas intenções com os deficientes físicos, mas não sabem lidar com as várias deficiências existentes da forma mais adequada, às vezes, tentando ajudar, acabam por frustrar o deficiente ou prejudicá-lo sem querer. É impressionante como reclamamos de tudo.
Nós somos perfeitos, reclamar do quê? Podemos fazer tudo sozinhos e não fazemos, podemos ser o que quisermos e não somos, podemos ir para onde quisermos e não vamos! Que belo exemplo é o João, faz muito e quer fazer mais ainda. Ficou cego, mas desenvolveu mais a audição, o olfato, o tato e o paladar. Com 49 anos, teve disposição e entusiasmo para reaprender tudo, ele não nasceu cego. Cresceu muito e continua crescendo. Fechou os olhos mas abriu a mente, vê e sente tudo o que nós “enxergantes” deixamos passar, aproveita a vida fazendo e não reclamando. Está em contato consigo mesmo, com a natureza e com o mundo.
Nós ficamos fechados em nossa visão cega, nos “preservando” não sabemos do quê, e a vida vai passando. Faça como o João, siga seus sonhos, acredite em você, faça mais da vida, torne-se mais produtivo, ativo, interessante. Afinal, não nos afogamos por cair na água, e sim por ficar lá.
O homem só morre quando seus sonhos morrem; enquanto estivermos respirando e sonhando podemos mudar tudo. Insanidade é fazer sempre as mesmas coisas e querer obter resultados diferentes. Mude e tudo mudará junto. O João é prova disso.
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