RETROCESSO CULTURAL VIA TELEVISÃO

MAURO HISSAYUKI UTIDA

Todas as vezes que entrava num vagão de trem ou ônibus no Japão, independentemente da cidade, o cenário era sempre o mesmo: um silêncio que, para mim, como um bom brasileiro e acostumado com as viagens a São Paulo via ferroviária, chegava a ser incômodo, mas às vezes agradável, pela boa educação dos japoneses. A diferença cultural era enorme. Enquanto os brasileiros falam bastante e num tom de voz alto, os japoneses não são de conversar e quando trocam umas palavras, são tímidas e baixas.
No meio desse choque cultural, percebi que o maior motivo para a falta do bom e velho “bate-papo” era o excesso de tecnologia. Alguns ainda mantinham a forte tradição da leitura e devoravam as HQs, revistas ou livros numa viagem. Mas esta tradição, percebi, está ameaçada. Os vilões são toda tecnologia que os “pirados” engenheiros japoneses não cansam de inventar. Por causa delas, a interatividade social japonesa é insuficiente e sem graça.
Neste ambiente de viagem, sentava nos confortáveis bancos e reparava nos modos de meus conterrâneos. O maior companheiro de viagem dos japoneses eram os celulares. Todos tinham um ou mais. Chegava a ser assustador como aquele pequeno aparelho era amado pelo povo. Usavam a tecnologia para diversos fins: foto, internet, música é claro, conversas, utilidades que já não são nenhuma novidade para nós.
Mas, o mais usado era o som digital. Eles não tiravam o fone do ouvido. Ou então, para os chats de bate-papo. Eu ficava imaginando que mesmo quando sentavam juntos eles conversavam pela função de mensagem, de tanto que apertavam as teclas para escrever um texto. A maioria digitava muito rápido. Outra função bastante usada pelo povo eram os programas de televisão digital, que hipnotizavam os consumidores. Nem piscavam!
Este sistema de TV era visto em todos lugares, nos celulares, nos monitores dos carros e até mesmo nas grandes telas que existem nos centros das megalópoles, como Tókio.
Agora, vejo que o governo brasileiro adotou o padrão japonês de TV Digital, para ser consumido ou empurrado para o povo brasileiro. Não sou contra o excesso de tecnologia que vi no Japão, mas me preocupo com o conteúdo cultural das emissoras que a massa irá assistir.
Tenho pesadelos em pensar que quando viajar num trem para São Paulo, toda população sofrida e carente em cultura estará com sua vista grudada num celular assistindo a uma programação da Globo, SBT ou Bandeirantes. O que será do Brasil?
O Brasil precisa de democratização nas telecomunicações; o país sempre foi dominado por pequenos grupos e a aprovação do governo pelo padrão japonês de TV foi contra a proposta da livre concorrência.
Agora é esperar que os conteúdos das grandes emissoras melhorem ou então teremos mais três décadas de retrocesso cultural via televisão.

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