CRÔNICA DE UMA VIAGEM AO FIM DO MUNDO


JUAN DROGUETT *
No dia seis de junho tive a oportunidade de viajar para Finlândia, o destino era a cidade de Helsinki, o motivo: participar de um Congresso da Associação Internacional de Semiótica do Espaço ao qual tinha sido convidado por Pierre Pellegrino da Universidade de Genebra e Josep Muntañola da Universidade Politécnica da Catalunha. A conferência que levei preparada era “Semiotização – o sentido real do tempo e do espaço social contemporâneo”. Mal podia imaginar que iria falar para uma platéia de russos, poloneses, franceses, italianos e catalães sobre um tema de tamanha complexidade nas proximidades do Pólo Norte, em pleno verão, onde o fenômeno do sol da meia noite faz todo o sentido daquilo que queria abordar na minha palestra.
Na saída, os problemas típicos ligados ao tráfego aéreo no Brasil me fizeram perder a conexão em Paris, onde tive que passar a noite em um Hotel na própria cidade, próximo ao aeroporto Charles de Gaulle que ostentava um sugestivo convite para os visitantes: “Le monde entier est notre invité”. No outro dia, logo cedo, após o petit déjeuner saí, via Finnair, para o destino final. Já no embarque, a mudança de língua: passar de um registro latino português – francês para um tom mais anglo – saxão fazia a diferença. Finlandês, dinamarquês e norueguês me resultavam estranhos, salvo quando entre esse amontoado de palavras alguma ressonância do inglês soava como música dos Beatles.
Ao sobrevoar a belíssima Helsinki dava para ver uma paisagem natural extraordinária: formada por milhares de lagos e imensos bosques de coníferas. Efetivamente, estava chegando a um país inteiramente ligado às tradições meio ambientais, rigorosamente respeitadas porque fazem parte da própria identidade nacional. A chegada no aeroporto de Vantaa foi um espetáculo, território do delta de um rio do mesmo nome é uma obra futurista dos arquitetos Heikkinen e Komonen. Trata-se de um centro interativo que alberga o coração administrativo e cultural dessa pequena cidade nas proximidades de Helsinki. Em torno deste complexo estende-se o parque, dividido em duas partes: uma dedicada à história geológica de Helsinki e a outra à ciência botânica. Ali se pode apreciar uma variedade infinita de flores, dispostas de maneira que se evidenciam os critérios de classificação do grande naturalista sueco Linneo. Detalhe: a maior parte da população finlandesa fala inglês como segunda, terceira, quarta ou quinta língua.
No percurso do aeroporto até o hotel pude perceber por quê a cidade de Helsinki tem o nome “pérola do báltico”; dava para ver edifícios modernos com um chamativo sistema de trens vermelhos, verdes e amarelos que atravessavam um território recortado por lagos ao longo de um vasto arquipélago. Em um trajeto de mais ou menos 20 minutos foi se revelando uma cidade encantadora, com florestas resplandecentes e flores de lavanda que pareciam perfumar naturalmente o ar que respirava. Centros comerciais modernos são o anteparo ao centro limpo e urbanizado, com edifícios neo- românticos e construções de vanguarda que misturam vidro para captar o máximo de luz, madeira para aquecer o interior dos edifícios e metal para dar a resistência e flexibilidade necessária aos crus e longos meses de inverno polar.
Até aqui já dava para observar que Helsinki é uma cidade de aspecto moderno, com uma imponente estrutura arquitetônica. Muitas indústrias, um grande porto e uma intensa vida econômica. Ao mesmo tempo, Helsinki transmite uma imagem de tranqüilidade e extrema beleza com a ajuda singular da luminosidade do céu nórdico. Com grandes espaços verdes nas suas longas avenidas, integra-se na devida proporção com a vida de seus habitantes em busca da funcionalidade de cada aspecto da vida urbana.
Apesar de não possuir dimensões metropolitanas, Helsinki é a capital receptiva de eventos culturais e políticos de porte internacional como aquele para o qual tinha sido convidado. Efetivamente, a dignidade conquistada nos últimos cinqüenta anos faz dela um referencial no campo científico, na competitividade econômica e comercial.
A cooperação entre os institutos de pesquisa empresarial e universitária tem permitido à Finlândia converter-se em líder mundial no campo do desenvolvimento tecnológico. Finlândia hoje é símbolo de uma sociedade de primeiro mundo, dinâmica e à frente em setores como o desenho, a arquitetura e a comunicação em telefonia móvel e a mecânica instrumental de precisão – são uma janela para o mundo.
Já instalado na cidade, comecei a caminhar em busca dos lugares históricos para entender de onde vinha esse ar imponente das poderosas catedrais, a luterana Tuomiokirkko e a ortodoxa de Uspenskin, de aspecto deliciosamente oriental. Durante séculos a Finlândia foi parte da Suécia e da Rússia, independente só a partir de 1917, estabeleceu sua condição e constituição atual de república em 1919. Os finlandeses defenderam sua independência na segunda guerra mundial e ao longo da pós-guerra. A Finlândia ingressou nas Nações Unidas em 1955 e na União Européia em 1995. Como afirmara J.V. Snellman, principal filósofo e estadista finlandês do século XIX, “A fortaleza de uma nação pequena reside na sua cultura” e, fiel a este princípio, o país com apenas cinco milhões de habitantes tem desenvolvido um esplêndido patrimônio cultural e presenteado o mundo com músicos, arquitetos, designers, esportistas e bailarinos de destaque. A visita a estes tesouros artísticos de Helsinki me revelou a visível obra neoclássica de Engel, arquiteto alemão levado pelo czar Nicolas I para reconstruir a cidade destinada a se converter na capital do Grande Ducado de Finlândia após 1827. A cidade foi planejada para que tivesse três portos, cada um deles com uma finalidade específica. O porto situado mais ao sul foi destinado ao transporte de passageiros; o da parte sudoeste, à importação de mercadorias volumosas; o do nordeste à exportação de madeiras.
Assim, os pontos mais relevantes da cidade na atualidade são: a praça do senado – Senaatintori com o monumento ao czar Alexandre II, que tem sua estátua rodeada de esculturas simbólicas: a da Paz, das Ciências e da Arte; do Trabalho e da Lei; a jovem que faz parte do grupo é a personificação da Finlândia. Em torno da praça concentram-se diversas obras de Engel, como: o Palácio de Governo – Valtioneuvosto e da Universidade – Yliopisto. Outro ponto de destaque na visita a Helsinki é a Esplanada – Esplanadi, uma enorme avenida em direção ao teatro sueco são, na verdade, duas ruas que vão de leste ao oeste, separadas por um espaço verdejante no qual as pessoas passeiam, de onde se avistam bares, restaurantes e lojas de artesanato. Na época de verão converte-se em espaço de concertos e espetáculos ao ar livre, e também para tomar banhos de sol.
Ao leste das Esplanadi, indo para o porto, encontra-se a região mais animada da cidade de Helsinki, a praça do mercado – Kauppatori, que se assoma ao mar. No mercado se vende de tudo: flores deslumbrantes, frutas para fazer a inveja de Dionísio, artesanato e pratos da culinária local.
Na Finlândia a água é parte essencial da vida. Os finlandeses nadam, pescam e navegam nas águas de aproximadamente 187.000 lagos e 4.500 quilômetros de costas. Há 180.000 ilhas, mais da metade dentro dos mesmos lagos.
Enfim, poderia relatar muitas outras características desta polifacética e multicultural cidade do báltico, onde exóticos traços orientais se fundem com vestígios escandinavos contemporâneos nesta vibrante e afável capital européia com um centro urbano dinâmico e humano impulsionado por um ímpar ecossistema, mas tinha que voltar para o propósito da minha viagem que consistia em expor a minha teoria sobre o tempo e o espaço contemporâneo.
Desta forma, frente à experiência que estava vivendo na viagem por Helsinki e outras cidades da Escandinávia, propus no congresso de semiótica uma nova comunicação pautada por três tipos de espaço: o projetado, o percebido e o vivido. O espaço projetado é aquele determinado no projeto do arquiteto, o espaço da representação, muitas vezes confundido com o espaço real. O espaço percebido é o espaço produto, um espaço que contempla o sujeito em situação, feito e acabado. E por último, o espaço vivido é o espaço do uso e do imaginário, esse espaço envolvente de Helsinki sobre o qual a minha imaginação se tentava incorporar, o espaço da produção no ato mesmo da percepção.
Em comunicação, o que existe é uma atividade de representação visando transmitir um certo sentido, no espaço percebido a sensação de vida substitui simbolicamente a pequenez do cotidiano que eu trazia introjetado da megalópole de São Paulo, um espaço de comunicação como um valor de troca que exercia sobre mim o magnetismo da inusitada experiência. É possível vislumbrar a produção sígnica não como um produto acabado e sim o pré-sentido, capaz de vencer a estagnação ideológica na prática comunicativa. Quer dizer que só o imprevisível transforma esteticamente o mundo.
Com esse pensamento voltei para o congresso, convicto de que o final da viagem significaria a minha volta ao começo com uma outra idéia daquilo que estava vivendo naquele instante, aberto à voz dos meus sentidos que me convidavam a visitar e conhecer a Lapônia: no extremo norte do país, que foge completamente das idéias que tinha feito dela na minha imaginação. Lapônia é uma das regiões mais exóticas da Finlândia, estende-se da costa mais setentrional do Báltico até os diáfanos bosques do norte. Foi nas proximidades de um lago que tive a oportunidade de ver o espetáculo mais impressionante do mundo, “o sol da meia-noite”. O espaço ali é o corpo do mundo e o tempo sua alma. No silêncio da contemplação desse espetáculo magistral da natureza, tempo e espaço se fusionam para gerar a terra, essa terra tão noturna como a noite, uma matriz misteriosa em espera da fecundidade da luz que inicia o movimento da vida cósmica. Essas noites no verão da Finlândia não duram mais do que três horas, e começa novamente a preencher-se o espaço poético que alumbra a minha imaginação, explosão que projeta o sol ao infinito com a virtude do futuro escrito no outro extremo do planeta, talvez em uma terra aquecida demais.
O verão na Finlândia é um acontecimento prolongado. Ao longo dos cálidos dias de junho até agosto, a claridade das noites, o esplendor dos lagos e as extensões dos cuidados bosques oferecem um vasto pátio de recriação para habitantes e visitantes igualmente. Após São João, afirmam os nativos da Lapônia, celebra-se o fim de semana mais próximo do solstício, o 21 de junho. Esse dia o sol apenas se põe ao sul e ao norte nem sequer se põe. Os ritos de fertilidade, limpeza espiritual e a expulsão dos maus espíritos se sincretizam o mesmo que no Brasil nas fogueiras de São João. Durante esse fim de semana, quase toda a população sai ao campo para celebrar a prodigiosa luz natural, junto aos lagos ou no bosque. Além das fogueiras, há comidas típicas: salsichas sem fim, carnes na brasa, salmão defumado, queijos de São João, tortas e pastéis. Em todos os lugares usam-se galhos de bétula e as pessoas aproveitam a fascinante luz do verão para escutar música e dançar até o amanhecer.
O retorno ao Brasil resultou em mais uma travessia do tempo, agora com a bagagem da experiência do extremo, da terra defendida outrora pelos “bárbaros” vikings que fizeram desse arquipélago uma fortaleza natural de sua identidade e que, para mim, resultou na abertura e projeção para outros “cantos” da vida acadêmica na qual encontro o tempo real da minha realização, para viajar por esses espaços contemporâneos que aquecem na minha memória a vivência presencial da Finlândia – uma viagem que fiz ao fim do mundo.
No dia seis de junho tive a oportunidade de viajar para Finlândia, o destino era a cidade de Helsinki, o motivo: participar de um Congresso da Associação Internacional de Semiótica do Espaço ao qual tinha sido convidado por Pierre Pellegrino da Universidade de Genebra e Josep Muntañola da Universidade Politécnica da Catalunha. A conferência que levei preparada era “Semiotização – o sentido real do tempo e do espaço social contemporâneo”. Mal podia imaginar que iria falar para uma platéia de russos, poloneses, franceses, italianos e catalães sobre um tema de tamanha complexidade nas proximidades do Pólo Norte, em pleno verão, onde o fenômeno do sol da meia noite faz todo o sentido daquilo que queria abordar na minha palestra.
Na saída, os problemas típicos ligados ao tráfego aéreo no Brasil me fizeram perder a conexão em Paris, onde tive que passar a noite em um Hotel na própria cidade, próximo ao aeroporto Charles de Gaulle que ostentava um sugestivo convite para os visitantes: “Le monde entier est notre invité”. No outro dia, logo cedo, após o petit déjeuner saí, via Finnair, para o destino final. Já no embarque, a mudança de língua: passar de um registro latino português – francês para um tom mais anglo – saxão fazia a diferença. Finlandês, dinamarquês e norueguês me resultavam estranhos, salvo quando entre esse amontoado de palavras alguma ressonância do inglês soava como música dos Beatles.
Ao sobrevoar a belíssima Helsinki dava para ver uma paisagem natural extraordinária: formada por milhares de lagos e imensos bosques de coníferas. Efetivamente, estava chegando a um país inteiramente ligado às tradições meio ambientais, rigorosamente respeitadas porque fazem parte da própria identidade nacional. A chegada no aeroporto de Vantaa foi um espetáculo, território do delta de um rio do mesmo nome é uma obra futurista dos arquitetos Heikkinen e Komonen. Trata-se de um centro interativo que alberga o coração administrativo e cultural dessa pequena cidade nas proximidades de Helsinki. Em torno deste complexo estende-se o parque, dividido em duas partes: uma dedicada à história geológica de Helsinki e a outra à ciência botânica. Ali se pode apreciar uma variedade infinita de flores, dispostas de maneira que se evidenciam os critérios de classificação do grande naturalista sueco Linneo. Detalhe: a maior parte da população finlandesa fala inglês como segunda, terceira, quarta ou quinta língua.
No percurso do aeroporto até o hotel pude perceber por quê a cidade de Helsinki tem o nome “pérola do báltico”; dava para ver edifícios modernos com um chamativo sistema de trens vermelhos, verdes e amarelos que atravessavam um território recortado por lagos ao longo de um vasto arquipélago. Em um trajeto de mais ou menos 20 minutos foi se revelando uma cidade encantadora, com florestas resplandecentes e flores de lavanda que pareciam perfumar naturalmente o ar que respirava. Centros comerciais modernos são o anteparo ao centro limpo e urbanizado, com edifícios neo- românticos e construções de vanguarda que misturam vidro para captar o máximo de luz, madeira para aquecer o interior dos edifícios e metal para dar a resistência e flexibilidade necessária aos crus e longos meses de inverno polar.
Até aqui já dava para observar que Helsinki é uma cidade de aspecto moderno, com uma imponente estrutura arquitetônica. Muitas indústrias, um grande porto e uma intensa vida econômica. Ao mesmo tempo, Helsinki transmite uma imagem de tranqüilidade e extrema beleza com a ajuda singular da luminosidade do céu nórdico. Com grandes espaços verdes nas suas longas avenidas, integra-se na devida proporção com a vida de seus habitantes em busca da funcionalidade de cada aspecto da vida urbana.
Apesar de não possuir dimensões metropolitanas, Helsinki é a capital receptiva de eventos culturais e políticos de porte internacional como aquele para o qual tinha sido convidado. Efetivamente, a dignidade conquistada nos últimos cinqüenta anos faz dela um referencial no campo científico, na competitividade econômica e comercial.
A cooperação entre os institutos de pesquisa empresarial e universitária tem permitido à Finlândia converter-se em líder mundial no campo do desenvolvimento tecnológico. Finlândia hoje é símbolo de uma sociedade de primeiro mundo, dinâmica e à frente em setores como o desenho, a arquitetura e a comunicação em telefonia móvel e a mecânica instrumental de precisão – são uma janela para o mundo.
Já instalado na cidade, comecei a caminhar em busca dos lugares históricos para entender de onde vinha esse ar imponente das poderosas catedrais, a luterana Tuomiokirkko e a ortodoxa de Uspenskin, de aspecto deliciosamente oriental. Durante séculos a Finlândia foi parte da Suécia e da Rússia, independente só a partir de 1917, estabeleceu sua condição e constituição atual de república em 1919. Os finlandeses defenderam sua independência na segunda guerra mundial e ao longo da pós-guerra. A Finlândia ingressou nas Nações Unidas em 1955 e na União Européia em 1995. Como afirmara J.V. Snellman, principal filósofo e estadista finlandês do século XIX, “A fortaleza de uma nação pequena reside na sua cultura” e, fiel a este princípio, o país com apenas cinco milhões de habitantes tem desenvolvido um esplêndido patrimônio cultural e presenteado o mundo com músicos, arquitetos, designers, esportistas e bailarinos de destaque. A visita a estes tesouros artísticos de Helsinki me revelou a visível obra neoclássica de Engel, arquiteto alemão levado pelo czar Nicolas I para reconstruir a cidade destinada a se converter na capital do Grande Ducado de Finlândia após 1827. A cidade foi planejada para que tivesse três portos, cada um deles com uma finalidade específica. O porto situado mais ao sul foi destinado ao transporte de passageiros; o da parte sudoeste, à importação de mercadorias volumosas; o do nordeste à exportação de madeiras.
Assim, os pontos mais relevantes da cidade na atualidade são: a praça do senado – Senaatintori com o monumento ao czar Alexandre II, que tem sua estátua rodeada de esculturas simbólicas: a da Paz, das Ciências e da Arte; do Trabalho e da Lei; a jovem que faz parte do grupo é a personificação da Finlândia. Em torno da praça concentram-se diversas obras de Engel, como: o Palácio de Governo – Valtioneuvosto e da Universidade – Yliopisto. Outro ponto de destaque na visita a Helsinki é a Esplanada – Esplanadi, uma enorme avenida em direção ao teatro sueco são, na verdade, duas ruas que vão de leste ao oeste, separadas por um espaço verdejante no qual as pessoas passeiam, de onde se avistam bares, restaurantes e lojas de artesanato. Na época de verão converte-se em espaço de concertos e espetáculos ao ar livre, e também para tomar banhos de sol.
Ao leste das Esplanadi, indo para o porto, encontra-se a região mais animada da cidade de Helsinki, a praça do mercado – Kauppatori, que se assoma ao mar. No mercado se vende de tudo: flores deslumbrantes, frutas para fazer a inveja de Dionísio, artesanato e pratos da culinária local.
Na Finlândia a água é parte essencial da vida. Os finlandeses nadam, pescam e navegam nas águas de aproximadamente 187.000 lagos e 4.500 quilômetros de costas. Há 180.000 ilhas, mais da metade dentro dos mesmos lagos.
Enfim, poderia relatar muitas outras características desta polifacética e multicultural cidade do báltico, onde exóticos traços orientais se fundem com vestígios escandinavos contemporâneos nesta vibrante e afável capital européia com um centro urbano dinâmico e humano impulsionado por um ímpar ecossistema, mas tinha que voltar para o propósito da minha viagem que consistia em expor a minha teoria sobre o tempo e o espaço contemporâneo.
Desta forma, frente à experiência que estava vivendo na viagem por Helsinki e outras cidades da Escandinávia, propus no congresso de semiótica uma nova comunicação pautada por três tipos de espaço: o projetado, o percebido e o vivido. O espaço projetado é aquele determinado no projeto do arquiteto, o espaço da representação, muitas vezes confundido com o espaço real. O espaço percebido é o espaço produto, um espaço que contempla o sujeito em situação, feito e acabado. E por último, o espaço vivido é o espaço do uso e do imaginário, esse espaço envolvente de Helsinki sobre o qual a minha imaginação se tentava incorporar, o espaço da produção no ato mesmo da percepção.
Em comunicação, o que existe é uma atividade de representação visando transmitir um certo sentido, no espaço percebido a sensação de vida substitui simbolicamente a pequenez do cotidiano que eu trazia introjetado da megalópole de São Paulo, um espaço de comunicação como um valor de troca que exercia sobre mim o magnetismo da inusitada experiência. É possível vislumbrar a produção sígnica não como um produto acabado e sim o pré-sentido, capaz de vencer a estagnação ideológica na prática comunicativa. Quer dizer que só o imprevisível transforma esteticamente o mundo.
Com esse pensamento voltei para o congresso, convicto de que o final da viagem significaria a minha volta ao começo com uma outra idéia daquilo que estava vivendo naquele instante, aberto à voz dos meus sentidos que me convidavam a visitar e conhecer a Lapônia: no extremo norte do país, que foge completamente das idéias que tinha feito dela na minha imaginação. Lapônia é uma das regiões mais exóticas da Finlândia, estende-se da costa mais setentrional do Báltico até os diáfanos bosques do norte. Foi nas proximidades de um lago que tive a oportunidade de ver o espetáculo mais impressionante do mundo, “o sol da meia-noite”. O espaço ali é o corpo do mundo e o tempo sua alma. No silêncio da contemplação desse espetáculo magistral da natureza, tempo e espaço se fusionam para gerar a terra, essa terra tão noturna como a noite, uma matriz misteriosa em espera da fecundidade da luz que inicia o movimento da vida cósmica. Essas noites no verão da Finlândia não duram mais do que três horas, e começa novamente a preencher-se o espaço poético que alumbra a minha imaginação, explosão que projeta o sol ao infinito com a virtude do futuro escrito no outro extremo do planeta, talvez em uma terra aquecida demais.
O verão na Finlândia é um acontecimento prolongado. Ao longo dos cálidos dias de junho até agosto, a claridade das noites, o esplendor dos lagos e as extensões dos cuidados bosques oferecem um vasto pátio de recriação para habitantes e visitantes igualmente. Após São João, afirmam os nativos da Lapônia, celebra-se o fim de semana mais próximo do solstício, o 21 de junho. Esse dia o sol apenas se põe ao sul e ao norte nem sequer se põe. Os ritos de fertilidade, limpeza espiritual e a expulsão dos maus espíritos se sincretizam o mesmo que no Brasil nas fogueiras de São João. Durante esse fim de semana, quase toda a população sai ao campo para celebrar a prodigiosa luz natural, junto aos lagos ou no bosque. Além das fogueiras, há comidas típicas: salsichas sem fim, carnes na brasa, salmão defumado, queijos de São João, tortas e pastéis. Em todos os lugares usam-se galhos de bétula e as pessoas aproveitam a fascinante luz do verão para escutar música e dançar até o amanhecer.
O retorno ao Brasil resultou em mais uma travessia do tempo, agora com a bagagem da experiência do extremo, da terra defendida outrora pelos “bárbaros” vikings que fizeram desse arquipélago uma fortaleza natural de sua identidade e que, para mim, resultou na abertura e projeção para outros “cantos” da vida acadêmica na qual encontro o tempo real da minha realização, para viajar por esses espaços contemporâneos que aquecem na minha memória a vivência presencial da Finlândia – uma viagem que fiz ao fim do mundo.
(*) Pós – Doutor pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP e em Educação pela Universidade de Salamanca – Espanha. Atualmente professor Titular do Mestrado em Comunicação da Universidade Paulista – UNIP, representante da Linha de Pesquisa Cultura Midiática e Grupos Sociais, membro da Associação Internacional de Semiótica do Espaço. Escritor nas áreas de comunicação, filosofia, psicanálise, turismo e educação com publicações no Brasil e no exterior.
Comentários