PUB

Reinaldo Reigrimar

Estava nos anos 70, dentro de um filme e eu fazia parte do cenário. Um mistério havia naquela casa antiga e simples, que o dono transformou em Pub. Numa experiência única de cena envolvente, misteriosa, nostálgica e totalmente musical, vivi o passado no meu mais puro presente. A noite tem seu ar envolvente, tem seu brilho, mesmo com meia luz o campo de visão pode ser insuperável quando sentimos o invisível e enxergamos mais do que o possível. Foi assim que o invisível brincou aos meus olhos.
Meses atrás um convite chegara aos meus ouvidos. Os amigos falavam de um lugar, um Pub (Bar) que tinha uma banda legal e o som dos “caras” era muito bom. A verdade é que a propaganda do convite não foi feita com tanto entusiasmo, prova disso foi os meses que eu deixei de conhecer o que seria um simples Pub, onde tocava uma ótima banda. Foram poucas as palavras a respeito do Prince Regent Pub, até o dia em que resolvi conhecer o lugar.
A chuva dava o ar de sua graça na noite de sexta-feira. Densa para fim de inverno europeu. A janela do carro estava totalmente coberta com gotas que escorriam e escondiam o caminho e a paisagem do destino. Chovia muito e correr do carro até a porta de entrada foi um conciso alarme à adrenalina. (No momento em que toda porta se abre, pode se ter uma surpresa. Você pode ver a primeira coisa, ou a primeira pessoa. Quando se abre uma porta você pode se apaixonar. São olhos e tudo que ele pode enxergar. É o coração que bate mais forte. É a alma que sente. É a vida e algo que ainda não foi explicado e enxergado).
Estava preocupado em tirar logo aquela jaqueta molhada. Me perguntava onde havia entrado, pois aquilo não era um Pub. Era uma casa normal, nas janelas haviam cortinas simples de renda. Sim, também era um Bar. Não me dei conta do que me reservava aquela porta aberta. Estava cego, não sabia o que tinha acontecido. Entrei sentindo logo o choque térmico.
Sentei no banco sem encosto, apenas um tamborete. Naquele momento tudo rodou e respirei profundo. Não sabia o que era tudo aquilo que sentia. Estávamos no meio exato do Bar, numa mesa redonda: Freedman, Kiko, Tulio, Leandro, Dudu, Zé e eu. Não podia deixar de falar dos amigos, que sentiram e viveram o mesmo que eu: momento simples e único.
O Pub era a sala de estar da casa. Uma sala enorme, com sofás nos cantos, estantes antigas com livros antigos. Quadros nas paredes mostravam que estávamos em um país monárquico. Um relógio me fazia lembrar do tempo. O possível tempo vivido da minha vida. Estava eu ali perdendo aquele tempo numa sala cheia de fumaça. Vendo pessoas de 50 e 60 anos. Fumavam cigarros e charutos. No sofá num canto bem à nossa frente, um senhor de 50 anos, vestindo uma jaqueta preta, barba e cabelos longos. Era um bruxo ou apenas um amante daquele local? Seria uma das inúmeras perguntas sem resposta daquilo tudo. Disseram que todas as sextas-feiras ficava no mesmo lugar. Já fazia parte da mobília. Mulheres na maioria vestidas de preto. Senhoras feias, donas de uma felicidade incomparável. Não entendi porque a falta de cor nas roupas daquelas pessoas. Estavam todos de luto e não choravam a morte de ninguém. Felizes, queriam ver a banda tocar.
Um som ambiente tocava uma música dos anos 70 e me levava para ele. As horas passando e o movimento aumentava a cada minuto. Pessoas entravam e saiam naquela porta. Percebi que éramos privilegiados de estar sentados e curtindo aquela noite à base de cerveja, whisky e coca-cola. Os copos esvaziavam rápido em nossa mesa, e uma nova rodada era logo servida por um de nós. Enfim, escutei o som de guitarra sendo afinada. A banda estava prestes a começar o show e eu ansioso para ouvir.
A música ambiente deu lugar ao que chamei de o melhor show da minha vida. Eles não estavam em gigantescos palcos armados e ingressos esgotados. Estavam ali pisando o mesmo chão que todos nós e mesmo assim eles tinham o brilho e profissionalismo dos “famosos”. Estava na minha frente o ex-guitarrista do Iron Maiden. Ele toca à altura dos maiores guitarristas do mundo. Um solo perfeito me fez ficar admirado com tal beleza e poder daquelas cordas. O Blues tomou conta do local. O que parecia a época de Jimi Hendrix ficou ainda mais óbvio e intenso naquele momento.
Percebi que durante o show não havia uma só pessoa distraída com outras coisas. Todos estavam olhando para uma única direção. Não havia o papo costumeiro ao pé do ouvido. Todos os copos estavam na mesa, todos os cigarros no cinzeiro, o charuto apagado. Parecia que eu era o único a estar fora daquele ambiente. Apenas via cada movimento. O bruxo permanecia hipnotizado com a banda composta por duas guitarras, baixo e bateria.
Olhei para o relógio na parede e percebi que o tempo estava passando e que tudo aquilo poderia acabar a qualquer minuto. Tinha que viver aquele momento na maior intensidade possível. Sentado, apenas escutando, delirando por dentro. A música tem dessas coisas. O relógio também. O perigo se conta em minutos. O Blues poderia acabar naquela noite e dar lugar a uma simples música ambiente. E neste momento viriam as vozes, os quadros, os cigarros, os copos entornados, um bêbado. Não queria aquele minuto. Queria aquele Pub, aquele mesa no centro do bar e aquela banda.

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