O SENSACIONALISMO NOSSO DE CADA DIA

Ieda Cavalcante dos Santos

O sensacionalismo é um componente comum do noticiário da imprensa em geral. Seu crescimento tem provocado reações de especialistas e observadores. Alguns atribuem este fato aos excessos da violência urbana no país. Outros destacam a disputa entre os veículos de comunicação; as notícias sensacionalistas seriam recursos para aumentar os índices de leitura e audiência. Ao mesmo tempo que isso ocorre, é certo que o sensacionalismo sempre andou de mãos dadas com o jornalismo.
Determinados acontecimentos, já nos primórdios do jornalismo, eram tratados como a notícia do dia e transformados em narrativas mirabolantes e fantásticas. Tratam-se dos fait divers que, nos EUA, foram utilizados de maneira eficaz no final século XIX e início do século XX para impulsionar a venda dos jornais de dois magnatas da comunicação daquele país: Joseph Pullitzer e William Hearst.
Neste contexto, marcado ainda pelo imperialismo britânico, Nilson Lage – em um de seus estudos - argumenta que a ideologia dominante articulava o jornalismo com duas funções distintas: uma deveria manter viva a fantasia sentimental e aventureira do público e a outra deveria educar este mesmo público para as novas demandas do processo capitalista, como o consumo e a poupança.
Posteriormente, empresários do setor lançaram mão de normas e técnicas para criar a objetividade jornalística e, assim, instituir um distanciamento de seus empreendimentos do jornalismo sensacionalista. A noção de credibilidade surgiu deste processo e tornou-se o divisor de águas entre o que seria o jornalismo sério e o jornalismo sensacionalista.
A objetividade jornalística, longe de ser uma realidade, resultou em um mito ao partir do princípio de que o texto jornalístico teria capacidade de recriar um acontecimento tal qual ele teria ocorrido. Em outras palavras, um jornalista poderia elaborar um retrato fiel da realidade sem interferência de ordem subjetiva. Em decorrência disso, um fardo foi colocado sobre os ombros dos jornalistas e, por outro lado, a imprensa revestiu-se de grande poder. O poder de escancarar a verdade dos fatos, de revelar o que estaria escondido. Enfim, alcançar a fama de ser o quarto poder. Para quem duvida desta metáfora, é sempre lembrada a dupla de jornalistas do jornal Washington Post, Bob Woodward e Carl Bernstein, que, em 1972, realizaram reportagens investigativas sobre uma invasão ocorrida no comitê do Partido Democrata e descobriram uma complexa rede de espionagem, envolvendo membros da Casa Branca. O episódio ficou conhecido como Caso Watergate e resultou na renúncia do presidente Richard Nixon.
Qual a relação entre estes dados e a imprensa atual? É possível notar no noticiário da grande imprensa, que se qualifica como séria e objetiva, reportagens marcadas pelo apelo emocional de modo a envolver o público, menos por meio de sua capacidade reflexiva e muito mais através da instigação de emoções e de clichês. É tênue, pois, a fronteira entre um jornalismo que se reputa sério e aquele tido por sensacionalista.
É importante ter isso em mente para evitar que a manipulação da informação pela imprensa possa gerar resultados caóticos. Temas polêmicos devem ser debatidos com a devida profundidade. Se isso não ocorre, o sensacionalismo da imprensa pode até mesmo levar a sociedade a se comprometer com leis conservadoras e retrógradas.

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