O ÚLTIMO REI DA ESCÓCIA: ÚLTIMO DITADOR AFRICANO?

Andréia T. Couto

Faleceu em janeiro de 2007 o escritor Ryszard Kapuscinski, autor, entre outros, de O Imperador e Ébano. Kapuscinnski se notabilizou, entre nós, principalmente por causa deste último, uma coletânea de textos que confeccionou ao longo de 20 anos como jornalista correspondente na África de um jornal da Polônia, sua terra natal. Para alguns, era um dos grandes representantes ainda vivos do Jornalismo Literário.
Sua morte coincidiu com o lançamento de um dos filmes mais esperados do ano, O Último Rei da Escócia, baseado no livro homônimo de Giles Foden, dirigido por Kevin Macdonald e protagonizado por Forest Witaker, impecável na pele de Idi Amim. Chegou a aprender suahili, que fala em várias partes do filme, para dar mais veracidade ao ditador (embora, segundo Kapuscinski, “mal sabia ler em inglês e não conhecia bem o idioma suahili. A única língua na qual se sentia à vontade era a de Kakwa, pouco conhecida no país”). Sua interpretação é tão carismática que quando sorri para o jovem médico Nicolas Garrigan, pela primeira vez, quem não conhecesse suas atrocidades, poderia até pensar que era mesmo um bem intencionado presidente. Ele falava para o povo com tanto fervor sobre seu desejo de transformar Uganda em um país moderno e independente que quem o assistisse poderia sentir ímpetos de aplaudi-lo. Certamente foi o que sentiu o personagem Nicolas quando o viu pela primeira vez em pleno discurso fervoroso para a população de uma aldeia. As palavras emocionadas, o dom de falar de forma envolvente para massas que queriam ouvir exatamente aquilo que ele falava - fez de Amim um dos ditadores mais amados e odiados da África. No capítulo reservado a ele no livro Ébano, Kapuscinski inicia da seguinte forma: “já pensei em escrever um livro sobre Amim, pois ele é o mais vivo exemplo da relação que há entre criminalidade e cultura”. Ao lado de Mobutu, ditador do ex-Zaire por trinta anos, Amim foi o mais conhecido déspota da África, um dos mais famosos do século XX. Conhecendo sua biografia¹, podemos mais facilmente chegar a compreender alguma coisa sobre seu comportamento.
Amim pertenceu a uma comunidade chamada Kakwa, cujo território estava mesclado entre Sudão, Uganda e a República Democrática do Congo (ex-Zaire, denominação essa proposta por Mobutu assim que assumiu o poder). Os habitantes de Kakwa não sabiam a que país pertenciam, mas sua sobrevivência era mais importante que esse tipo de diletantismo. Assim, Amim viveu seus primeiros anos indiferente à questão mais importante imposta pelos colonizadores: e marcação do território. Foi filho de mãe refugiada, que, com ele às costas, ao lado de tantas outras milhares de pessoas, vagava de um lado para outro, a partir do esfacelamento da África colonial, em busca de ter o que comer, beber e não morrer pelas milícias espalhadas por todos os lados. Sua história assemelha-se à de milhões de africanos vítimas de pessoas como a que ele um dia iria se tornar. Por quase todo o continente, em muitos países que ainda sofrem nas mãos de ditadores como Amim, milhares são as crianças com um histórico de privação, abandono, doenças, que não conseguem escapar, não só da morte, mas de um futuro que lhes apresenta poucas opções que não a perpetuação do nefasto ciclo da violência a que estão expostas.
Amin cresceu vagando de um lado para outro, até ser recolhido pelo exército colonial britânico. Sem estudos, pois havia estudado somente até o quarto ano, ir para o Exército significava mais que a possibilidade de um emprego, era a própria salvação. Witaker não representa somente o personagem a partir de sua psicologia: é perfeito para configurar o ditador fisicamente, que foi campeão dos pesos pesados de Uganda. Sua figura enorme e aterradora em muito contribuiu para formar o conjunto que impressionou Uganda, a África e o mundo na década de 1970.
Amin permaneceu anos no exército fazendo todo o tipo de serviço e, já adulto, acabou sendo nomeado General e comandante-substituto do exército até que a imprensa noticiou que ele estava envolvido no roubo de dinheiro, ouro e marfim confiscados aos opositores de Milton Obote, o então presidente há oito anos de Uganda, desde sua independência, em 1970. Temendo ser chamado a esclarecer o roubo, Amin se aproveita de uma viagem do presidente a Cingapura, organiza um golpe militar e assume o poder em janeiro de 1971, se auto proclamando presidente e governando até 1979. Morreu no exílio ao abrigo da Arábia Saudita. Se auto denominou o Último Rei da Escócia, uma alusão ao país que adorava. É pena que, ao fugir abandonando o poder, não tenha se tornado o último ditador da África. Ainda hoje o continente sofre com figuras que seguem o estilo de Idi Amim.

Comentários

ajotage disse…
Temos que abominar que ainda nos dias de hoje, alguns mandatários, ludibriem a boa fé do seu povo, tentando se perpetuar no poder. O filme "O último Rei da Escócia", conta com detalhes, o que foi na verdade, o Último Ditador Africano.
Ele relata o aparecimento e o crescimento do presidente-ditador Iddi Amim, que pela força, ficou no poder por muito tempo, mandando matar aqueles que atravessassem o seu caminho, não permitindo a liberdade de expressão, a liberdade do seu povo, controlando a imprensa e a divulgação do que ocorrera no seu país, usando todo tipo de estratégia para conseguir o seu intento e dominar pela força, pelas armas e, ainda comprando todo o tipo de assessoramento, dando-lhes postos de comando no seu governo. Foi justamente alguém que conviveu com esse regime, sentindo que o seu tempo terminara e conseguiu fugir e denunciando para o mundo,o que realmente acontecia lá.(Adalberto Gazio).

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