duas idéias questionáveis na política

>> REINALDO SAMPAIO PEREIRA, professor universitário de
Filosofia e Ética. Membro do Grupo de Pesquisa Edutec da UNIP Jundiaí
reinaldosampereira@hotmail.com

Acerca da política há algumas idéias questionáveis que surgem, são reproduzidas repetidamente e acabam sendo sintetizadas em formulações 'verdadeiras'. Duas delas (que mantêm relações entre si) têm me incomodado sobremaneira: 1) não é necessária uma boa formação para ser presidente da república no Brasil; 2) o horário eleitoral gratuito possibilita um voto 'consciente'. No concernente à primeira idéia, observo a equivocada crença em uma espécie de transversalização de habilidades, como se as habilidades de um campo profissional pudessem conduzir às habilidades de outro campo. Essa estranha crença parece que tem contribuido para eleger jogadores de futebol, cantores, farmacêuticos, médicos, etc, como se as suas habilidades profissionais específicas pudessem ser muitas vezes úteis para as suas atuações políticas. Não estou, em hipótese alguma, tentando defender a impossibilitação legal de tais candidaturas, mas apenas sugerindo que talvez seja temeroso escolher os candidatos pelo desempenho nas suas profissões e não em função da sua vivência política. É nesse contexto que quero rechaçar a primeira idéia acima mencionada, exemplificando a partir do nosso contexto político atual: que o Lula não possui boa educação formal, de modo algum discordo. Que não seria ruim se o Lula tivesse melhor educação formal, desde que não perdesse, para isso, algumas boas características que lhe são próprias, também concordo. Que, então, melhor seria um presidente letrado, como o FHC, esse é um argumento que não segue logicamente os dois anteriores. Se estivéssemos escolhendo um professor universitário, sobretudo para Sociologia, e se apresentassem Lula e FHC, difícil seria defender a escolha do Lula. Mas trata-se, aqui, de pensar a eleição para cargos políticos. Não estou querendo, com isso, sustentar que a formação de sociólogo não poderia conferir ao Lula melhores condições para pensar os problemas, sobretudo sociais, do país. Apenas estou observando que uma boa formação em Sociologia não garante necessariamente a realização de um bom governo, haja vista o governo FHC, sobretudo em seu segundo mandato. Talvez menos ainda a formação de médico do Geraldo Alckmin oferece qualquer garantia que poderá vir a se tornar um bom presidente. A política exige habilidades específicas, as quais, em muito, podem ser desenvolvidas com a vivência na vida política. É nessa área específica que o Lula recebeu a sua formação mais sólida, sendo dirigente sindical dos metalúrgicos na época do regime militar e aprendendo a negociar com importantes personagens do cenário político e econômico brasileiro; criando um partido e aprendendo sobre política partidária; participando do congresso nacional e descobrindo sobre os mecanismos de funcionamento do poder em Brasília, enfim, participando ativamente da vida política do país e aprendendo sobre ela. Estranho a não rara e esdrúxula postura de sustentar que o Lula tem formação medíocre, desconsiderando o seu histórico na política brasileira, e, por outro lado, aceitar condescendentemente a eleição de alguns profissionais das mais variadas áreas que são, algumas vezes, analfabetos politicamente. O outro discurso que me incomodou, às vésperas das eleições, é o que sustentava que o programa eleitoral gratuito possibilita conhecer os candidatos e, conseqüentemente, votar 'conscientemente'. Ora, conhecer às vésperas das eleições um candidato muitas vezes há pouco desconhecido? Hoje é comum discursos pré-eleitorais sobre educação e saúde. No entanto, a saúde e a educação vêm se deteriorando há muito. A recente história demonstra que há um abismo entre o discurso pré-eleitoral e a prática política. Quando o Collor 'apareceu' nacionalmente em 89, por um partido (PRN) formado para abrigar a sua candidatura, ele ganhou uma multidão prometendo camisas para os descamisados, chinelos para os pés-descalços, caça aos marajás, etc. Adquiriu-se muito rapidamente, novamente às vésperas das eleições, 'consciência' para votar no novo candidato que surgia com um novo e atraente discurso.
Não fez parte dessa 'conscientização', por exemplo, voltar os olhos para Alagoas, onde Collor foi governador, para verificar se ele havia conseguido fazer naquele relativamente pequeno Estado algo do prometido para ser feito em âmbito nacional.
Tenho as minhas desconfianças em relação a candidatos que surgem repentinamente e são eleitos ou porque possuem habilidades em outros campos de atuação ou porque eles anunciam palavras agradáveis para os eleitores que votam em função da 'conscientização' de véspera. Mais prudente parece ser votar, para cargos estratégicos, em quem podemos examinar o seu histórico na política e também o do seu partido.

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