VIAGEM DE TREM

>> Flavio F. A. Andrade
>> Nilza Bortolozzo

Veículo de transporte econômico, elegante e ecológico, o trem está novamente em alta no país. Por esse e outros motivos, nós da revista griffe, viajamos da Estação de Jundiaí até a Avenida Paulista, apenas utilizando trem e metrô. E o melhor: pagando uma passagem de menos de 2 reais. Descobrimos um mundo à parte. Utilizar o trem para fins culturais e turísticos, é a meta do projeto Trem Turístico, que parte de Jundiaí e da estação da Barra Funda no terceiro domingo de cada mês. Como destino, a cidade de São Paulo, e como principal objetivo, levar a cultura e a memória italiana presentes na cidade aos seus habitantes.
Munido de ar condicionado, poltronas reclináveis e música ambiente, o trem leva os passageiros a uma viagem através do tempo. As pessoas vão olhando tudo a sua volta com a ajuda de um guia turístico. Ver museus, apresentação de corais com trajes típicos e descobrir o processo de produção de vinho também fazem parte das atrações do Projeto.
Não fizemos este caminho. Procuramos o transporte diário, para sentir o que os passageiros vivem todos os dias. São bem diferentes os usuários que utilizam o trem como transporte e não como passeio. Sem guia e com muitos ambulantes andando pelos corredores, os passageiros normalmente não prestam atenção ao que está à sua volta. Com destino ao trabalho, eles embarcam dia após dia no mesmo horário, mesmo trem, mesma paisagem. Seja aqui em Jundiaí ou em qualquer outro lugar. O passageiro diário até pode curtir a vista, observar as montanhas e túneis, mas a falta de tempo e a preocupação são implacáveis. Normalmente ele vai pensando no seu destino, fazendo contas, calculando tempo, contando dinheiro.
No mesmo ritmo das rodas de ferro sobre os trilhos.
Muitos passageiros reclamam dos trens que saem de Jundiaí até a estação de Francisco Morato. É verdade que os vagões balançam e fazem muito barulho. As poltronas também não são confortáveis: são de plástico e não possuem encosto para a cabeça.
Apesar do baixo valor da passagem, os trens não são sujos. Passariam em algumas inspeções de qualidade. Não são pichados pelo lado de fora e nem por dentro. Apenas alguns sinais de vandalismo nos vidros das portas e janelas. Nada muito preocupante. Tem sempre um funcionário da limpeza por perto. A segurança também é boa. Câmeras da CPTM (Companhia de Transporte de Trem Metropolitano) estão por todos os lados, garantindo uma certa segurança.
Sentamos na extremidade do trem, como sugeria a voz quase inaudível do
alto-falante, quase tão antigo quanto a estação inglesa, mas de igual beleza.
Horário de pico. Sete horas da manhã. O vagão, claro, lotado. Não havia mais lugar nos bancos. De Jundiaí à Estação da Luz em pé. Procuramos involuntariamente ficar próximos às portas.
Talvez inconscientemente pensássemos que seria uma boa saída de emergência, caso algum acidente acontecesse. Afinal, tanta gente num mesmo lugar ao mesmo tempo... Mas este não é o maior inconveniente.
Às vezes são os fumantes presentes, dentre eles alguns usuários de maconha, que ignoram o sinal gigante de “proibido fumar”, colado nas portas do vagão. Outra figura típica que parece dominar a área são os ambulantes que, quando não trágicos, são engraçados, com seus gritos e cantos.
O marketing é o grito, não o preço dos doces, chocolates e bebidas.
Estes são todos tabelados.
Outra característica destes vendedores é a rapidez.
O guarda vem se aproximando.
“Vamo, vamo”, dizem os ambulantes. O comércio dentro dos trens é proibido, alerta o alto-falante. É proibido, assim como o cigarro, a maconha e a bebida, mas quem se importa? Eles estão ali fazendo o seu trabalho, ou indo para o seu trabalho. Comprar ou vender.
A viagem é longa. Um comércio paralelo. Constatamos que é absolutamente corriqueiro.
Para comparar tudo isso a algo, talvez o teatro seja perfeito. Um teatro sobre rodas.
É a melhor definição que achamos. Ao contrário do outro trem turístico, com poltronas aconchegantes e ar condicionado, neste as pessoas não ficam observando a paisagem, não pensam na história, não visitam museus.
Cabeças baixas, pensamento longe... Claro, é dia útil.
Apesar de toda esta aparente confusão, a economia é enorme. Capaz de se sobrepor aos inconvenientes.
>> Atualmente existe projeto aguardando verba, que prevê a construção de um trem expresso que ligará Campinas-Jundiaí-São Paulo.

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