A MORTE DA DEMOCRACIA

Durante os vinte anos de ditadura militar o que mais se ouviu, o que mais se reivindicou neste país foi o retorno do chamado Estado de Direito. Nos comícios políticos, na imprensa, nas entidades, nos bares, nos clubes, enfim, do Rio Oiapoque ao Arroio do Xuí, o clamor pelo fim do estado de exceção era geral. Mas, afinal, o que é o Estado de Direito? Façamos uma reflexão sobre o assunto.
Segundo princípios universais, o Estado de Direito, em qualquer país, tem de estar baseado no seguinte tripé de sustentação: 1- A existência de uma constituição, a qual deve ser cumprida na sua totalidade; 2- A existência de poderes constituídos e estes funcionando de forma independente;
3- Os direitos formais do cidadão sendo atendidos. Dos 120 países membros da Organização das Nações Unidas apenas 20% vivem efetivamente o Estado de Direito. Os outros 80% estão ao sabor dos interesses das corporações, do imperialismo capitalista ou do arbítrio político dos ditadores. O Brasil, lamentavelmente, não vive o Estado de Direito. Por quê? Analisemos os três princípios citados como fundamentais para esta situação.
Em primeiro lugar nós temos uma constituição, na sua maioria, inerte. Além de inúmeros artigos não terem sido regulamentados até hoje por leis ordinárias, os artigos 5º ² e 6º, por exemplo, são puras figuras de retórica. No segundo quesito, a independência dos poderes só existe nos discursos eleitorais dos candidatos. E no terceiro, se falar em atendimento aos direitos formais do cidadão é mais uma colocação cômica do que uma realidade.
A cidade de Jundiaí, sem dúvida nenhuma, está inserida neste triste e lamentável contexto. Falarmos em nossa cidade, por exemplo, em independência dos poderes é a mesma coisa que acreditarmos que os EUA estão no Iraque na defesa da democracia. A liberdade política que se utiliza no Brasil, nos três níveis de governo, tem como objetivo apenas de satisfazer os interesses dos grupos que detém o poder, sejam eles políticos, econômicos ou sociais.
Neste sentido, vale lembrar aqui um artigo escrito no chamado Livro Vermelho de Mao Tse Tung intitulado como “Servir ao Povo”. Dizia Mao em seu artigo: “Segundo um antigo poeta chinês chamado Sima Chien todos nós haveremos de morrer um dia, porém nossa morte pode ter significados diferentes; ela pode ter um peso maior do que a montanha Taishan ou pode ter um peso menor que o de uma pluma. Se nós morrermos defendendo os interesses do povo, nossa morte terá um peso maior do que a montanha Taishan; se nós morrermos defendendo os interesses daqueles que exploram e oprimem o povo, nossa morte terá um peso menor que o de uma pluma”.
Aqui fica uma dúvida: qual é a porcentagem de políticos no Brasil que defendem realmente os interesses do povo? Nós sabemos que ela é muito pequena.
E temos exemplos bem próximos de nós aqui em Jundiaí.
Baseado em um dos postulados de nossa Constituição, qual é a política pública da prefeitura de nossa cidade que visa defender os desamparados que moram na rua? Nenhuma. Nós sabemos que a administração local tem como prática trabalhar com muita propaganda e com pouca eficiência. Há mais de uma década o mesmo grupo político vem fazendo de nossa cidade o que o escritor francês Roger-Gérard Schwartzenberg relatou em seu livro chamado “O Estado Espetáculo”. Dizia o ilustre literato: “A política torna-se um espetáculo e muitas vezes um one-man show. Com a personalização do poder, o mundo da política se apóia, como o mundo do espetáculo, sobre o star-system. Tudo se apaga – partidos e programas – perante as supervedetes que distribuem entre si os grandes papéis. Resultado: o cidadão se transforma em simples espectador de um poder sempre em representação. É apenas a testemunha passiva e manipulada dessa exibição permanente. E deste modo morre a democracia.”
Nada melhor do que estas colocações para definirem a realidade dos objetivos do reinado em Jundiaí. Os prefeitos que se sucedem na cidade estão mais preocupados em representarem bem o seu papel dentro do sistema, deixando em segundo plano o que realmente interessa à população, ou seja, políticas públicas reais e eficientes.
Enfim, todos nós temos claro o diagnóstico da grave doença política que nosso país e cidade padecem. Mas qual seria o remédio? A cura para esta enfermidade passa pelo exercício pleno da cidadania, no momento em que a sociedade organizada juntamente com a parcela séria da classe política local começar a se mobilizar no sentido de que seja implantados entre nós um novo modelo político e administrativo onde a seriedade e a responsabilidade no gasto do dinheiro público sejam uma constante.
Ao conseguirmos atingir este objetivo, aí sim, poderemos chegar em nossas casas e olharmos os nossos filhos de frente, olho no olho, de cabeça erguida, com a certeza do dever cumprido.
¹CESAR TAYAR - ctayar@bol.com.br
² Artigo 5º da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...] ”
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