Zuzu Angel: uma história resgatada pelo cinema

>> IEDA CAVALCANTE DOS SANTOS

O recente lançamento de Zuzu Angel, filme dirigido por Sérgio Rezende, tem o mérito de resgatar uma das histórias dramáticas de indivíduos que foram vítimas da ditadura militar no país. O foco é o drama real da estilista mineira Zuleika Angel Jones, Zuzu Angel, morta em 1975, após uma incessante luta em busca do corpo do filho, Stuart Angel, militante do MR-8 e desaparecido durante a ditadura.
A iniciativa de realizar o filme partiu do produtor Joaquim Vaz de Carvalho e o roteiro ficou por conta do próprio Sérgio Rezende e de Marcos Bernstein. Em entrevista a Luiz Carlos Merten, do jornal O Estado de S. Paulo, Rezende comenta que a história da mãe que luta para enterrar o seu filho é uma tragédia universal, “por mais que a circunstância da morte de Stuart faça parte de outra tragédia mais particular, a brasileira, nos anos da repressão”. Em virtude deste enfoque, Zuzu é retratada como uma guerreira que nas telas ganha vida na pele da atriz Patrícia Pillar (foto).
Patrícia Pillar mostra uma dedicação exemplar em sua atuação e constrói cenas emocionantes ao contracenar com Daniel de Oliveira, que faz o papel do filho desaparecido. Aliás, foi a própria atriz quem escolheu Oliveira para o papel, com quem já havia contracenado na novela Cabocla, na TV Globo. Um dos bons resultados desta parceria no filme são as cenas em que a mãe critica a ingenuidade dos jovens em sua luta contra a repressão. Elas dão consistência às cenas posteriores que mostrarão a luta solitária da própria mãe, transformada em uma guerreira.
Outras personagens também são tratadas com dignidade e grande dose de lirismo. Uma delas é Elke Maravilha, uma das principais modelos de Zuzu. No filme, ela é interpretada por Luana Piovani e merece destaque a cena em que ocorre a sua prisão no aeroporto, após rasgar um cartaz com a fotografia de Stuart, sob a frase “Procurado”. No filme, há uma homenagem especial para Elke: ela aparece numa boate cantando uma composição em grego, sua língua materna.
Se por um lado, o filme encanta ao focar a trágica história de uma mãe guerreira, por outro, deixa várias lacunas. O nome de Lamarca, por exemplo, ecoa durante cenas de torturas e deixa o espectador sem nenhuma pista sobre quem ele foi e qual seria a sua relação com as personagens.
A transformação que ocorre em Zuzu é justificada quase que exclusivamente pela dor e pela indignação que sofre uma mãe diante da morte do filho inocente. Sem dúvida isso foi fundamental. Entretanto, houve também um processo de conscientização na personagem que era alienada ou pouco sabia sobre a realidade política e histórica da época.
Faltou aprofundar um pouco melhor essa transformação, algo que ocorre com a heroína do filme argentino A História Oficial: uma esposa de general e professora de história é arrancada da sua alienação para a realidade brutal do regime militar que tomou conta de seu país. Neste caso, como em Zuzu, o choque que dá impulso à transformação ocorre a partir da história de vida da personagem.
No filme brasileiro falta uma postura mais reflexiva sobre os fatos históricos como, aliás, já apontou em um comentário o crítico Luiz Carlos Merten. Entretanto, a saga de Zuzu na tela poderá estimular a geração mais nova a querer saber mais sobre os anos de chumbo.

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