Revolução das sombras (II)

Ieda Cavalcante dos Santos*

O mundo das sombras é povoado por criaturas que não se enquadram nem no papel de mocinho nem de bandido. Elas pouco se importam com sentimentos e desejos vis. Todas estão acostumadas com a inveja, a traição e a usura de seus senhores e de suas senhoras. Mas, até a tolerância de quem é sombra tem limite. O mensalão foi a gota d´água e, também, o motivo que iniciou uma estranha revolução no Planalto Central.
Na surdina, as sombras começaram a revelar determi-nados traços da personalidade de seus sen-hores. A grotesca dança da pizza da deputada Angela Guadagnin teria sido uma manobra de sua sombra. Segundo especialistas em sombras, a dança foi uma forma encontrada pela sombra para expor uma faceta nada nobre da deputada.
A sombra do caseiro Francenildo dos Santos Costa teria tido um papel importante no processo que resultou no indiciamento do ex-ministro Palocci em quatro crimes. Agora, o próprio Palocci corre o risco de ficar preso por alguns anos e, de quebra, virar sombra. Aliás, essa turma anda às turras com sombra há muito tempo. Até na morte do ex-prefeito Celso Daniel há não apenas uma, mas várias sombras envolvidas.
As sombras, entretanto, nem sempre levam a melhor. Basta verificar que nove deputados mensaleiros já foram absolvidos pela Câmara dos Deputados. Alguns dizem que há deputado tão cara de pau que deve ter passado conversa na própria sombra!
Se alguém, entretanto, pensou que as sombras só fazem boa ação, é melhor procurar entender melhor este fenômeno. As sombras não se prendem ao maniqueísmo tão presente nos seres humanos: o bem e o mal são encarados de outra maneira. No momento, por exemplo, há uma guerra nos bastidores das sombras por causa do movimento criado em Brasília para a criação de uma CPI para investigar a família de Lula e as suas relações com Paulo Okamotto. Este seria o tesoureiro parti-cular do presidente, em outras palavras, sombra do presi-dente.
Há sombras a favor da CPI e outras contra. Algumas acham que usufruir do cargo em benefício próprio é o menor dos males. Estas dizem que ocorrem coisas mais graves no governo do Bush e lá ninguém criou CPI contra ele. Outras são mais ásperas e dizem que toda corrupção deve ser combatida. Ninguém sabe quem vai ganhar a briga.
Nem todas as sombras estão em luta o tempo todo. Há sombra com cabeça fresca. Basta dar uma olhada no novo CD do Chico Buarque que chega às lojas agora em maio. É o primeiro CD com música inédita depois um longo tempo. A criatividade de Chico voltou depois que ele se entendeu com a sombra. Alguém duvida? Na capa, ele até faz homenagem: uma foto mostra um dos muitos papos que ele teve com a sombra para destrancar a criatividade. Sombra também pode ser musa!
*Jornalista, poeta e cronista.

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