Mídia, mitos estéticos e transtornos de comportamento

CADU VILLA LOBOS e SUELY FERRO

Como o tema deste texto é “Mídia, mitos estéticos e transtornos de comportamento”, não poderíamos deixar de fora a opinião pública, o que para nós é de fundamental importância. Para isso realizamos uma pesquisa de campo com 300 pessoas, com idade entre 14 e 65 anos, das classes A, B, C, e D. Desses entrevistados, 200 são mulheres e 100 homens. Os resultados também foram calculados segundo o gênero. No total foram 36 perguntas sobre estética e comportamento, muitas das quais se parecem, porém nosso intuito foi colocá-las de modos diferentes e em diversos lugares do questionário para obtermos respostas mais verdadeiras e contradições.
A primeira questão abordada foi: Você se considera uma pessoa bonita? Começamos com esta pergunta para medir a auto-avaliação das pessoas em relação à estética. As possíveis respostas eram: Sim, Não e Mais ou menos. Se somarmos os índices dos que não se acham bonitos com os que se acham mais ou menos bonitos, temos 33% das mulheres e 30% dos homens. Pode-se observar que as pessoas que não se acham efetivamente bonitas têm números quase iguais. Concluímos, portanto, que muitas mulheres não tiveram coragem de se declararem feias (somente 4%), enquanto que os homens o fizeram com maior facilidade (17%). A escolha destas respostas se deve possivelmente à influência da ditadura estética que age muito mais forte sobre elas, e também o possível conceito machista ainda existente: para alguns homens, ser feio é um fator másculo e, portanto, positivo. É muito difícil para uma mulher admitir que não é bonita, sendo que o mundo considera este item uma das principais qualidades femininas. A resposta Mais ou menos é uma saída viável para diminuir a auto-culpa. Problema citado na questão 26.
2. Você se preocupa com a beleza?
As respostas para a questão 2 foram quase idênticas às da questão 1. O índice de mulheres que se preocupam com a beleza é o mesmo das que se acham bonitas. Será que 67% das mulheres são bonitas mesmo ou a preocupação com a beleza as levou a responder que são? Veremos mais adiante que existem contradições a esse respeito. O fato é que cerca de 90% da população se preocupa (muito ou mais ou menos) com a beleza, número bem elevado. Nos homens, 12% dizem não se preocupar, nas mulheres somente 3% não se preocupa.
Sabendo-se que beleza é uma característica efêmera, e que os padrões se tornam cada vez mais rígidos, exigentes e mutáveis, a beleza ou a falta dela, devido às ações do próprio tempo, torna-se um problema que pode ter muitas consequências no psicológico e no intelecto das pessoas. Mesmo os grupos que não se preocupam ou se preocupam mais ou menos com a beleza, acabam sendo pressionados ou excluídos por causa da preocupação da grande maioria das pessoas pelo assunto, que, diga-se de passagem, é fortemente abordado e explorado pela mídia.
3. Você acha que a beleza tem muito valor na sociedade?
75% das mulheres e 58% dos homens acham que sim; 22% das mulheres e 29% dos homens acham mais ou menos; 3% das mulheres e 13% dos homens acham que não.
Está provado que a beleza é um fator muito importante na sociedade e que a falta dela pode causar dificuldades, assim como a busca pela beleza pode gerar transtornos psicológicos e doenças físicas. As discriminações e preconceitos surgem da valorização excessiva do “corpo perfeito” que os meios de comunicação instituíram e reforçam todos os dias. Nos shoppings e em muitos outros segmentos não se encontram atendentes que não sejam bonitas e atraentes, o que mostra que os menos bonitos, ou feios, são excluídos de muitas oportunidades, principalmente de empregos e salários.
4. Quem você considera uma pessoa bonita?
Nessa pergunta dissertativa, em momento nenhum induzimos qualquer resposta, poderia ser qualquer pessoa, não precisava ser conhecida. Mas para 52% das mulheres e 30% dos homens as pessoas consideradas bonitas foram celebridades. Somente 10% das mulheres e 9% dos homens indicaram a si mesmos como pessoas bonitas. Esse número coloca em dúvida a média 68,5%, entre homens e mulheres, que responderam que se acham bonitos na pergunta 1. Se realmente as pessoas se acham belas como responderam na primeira pergunta, por que não citaram a si mesmas na pergunta 4? Talvez porque não se considerem lindas como os padrões expostos pela mídia ou porque esses padrões tenham tanta força na mente das pessoas que superem as próprias pessoas. De qualquer maneira, existe um indício de que a beleza nunca está ao alcance das pessoas, a beleza ideal é um mito. A mãe foi bastante citada, o que nos leva a pensar que a forma de ver sua beleza é mais pelo carinho do que pela beleza estética, fator que acontece em relações consangüíneas e afetivas, como filhos e namorados.
5. Você se considera uma pessoa de peso normal?
Nas respostas desta pergunta, em média 41% das pessoas estão acima do peso, ou um pouco acima. Na pergunta 1, em média, 70% das pessoas responderam que se acham bonitas. Concluímos que, mesmo estando acima do peso, muitas pessoas se consideram bonitas ou, muitas não responderam com sinceridade a pergunta sobre a própria beleza. Um dado é relevante nesta questão: quase metade dos entrevistados está acima do peso ideal, fator preocupante em tempos de “beleza perfeita”.
6. Você tem medo de ficar gordo?
Em média, 48% das pessoas têm medo de ficar gordas, quase metade dos entrevistados. Sendo que nas mulheres o índice é cerca de 80%. Percebe-se que a preocupação com a estética atinge muito mais as mulheres do que os homens. Somente a apreensão em ficar ou não ficar gorda já gera um medo constante, o que é um problema sério.
7. Você pratica exercícios?
Fica claro que a preocupação estética que o homem tem é mais resolvida pelos exercícios do que por outros métodos, já a mulher recorre mais aos métodos clínicos, regimes, produtos de beleza, entre outros, como poderá ser percebido em outras perguntas do questionário. Fica evidente também que o homem está sendo cada vez mais inserido no contexto da padronização da beleza, já que grande parte deles se preocupa com a beleza (65%, pergunta 2), índice próximo dos 73% que praticam exercícios (pergunta 7). Outro fator é que embora 97% das mulheres se preocupem com a beleza (pergunta 2), somente 32% delas praticam exercícios, que é a forma mais saudável e eficaz de se manter bonita. Detalhe conflituoso.
8. Você mantêm uma alimentação saudável e regular?
9. Quantas refeições você faz por dia?
10. Quantos copos de água você bebe por dia?
Nas perguntas 8, 9 e 10 queríamos saber se a alimentação e a quantidade de água consumida por dia eram adequadas. Sabe-se, pela ciência da nutrição, que para se ter uma boa saúde e conseqüentemente um corpo mais magro, uma pele mais bonita e assim por diante, esses fatores, aliados aos exercícios físicos, são fundamentais. As respostas, principalmente das mulheres, não foram as mais saudáveis. Os resultados só podem ser desfavoráveis, tanto para a saúde quanto para a estética. Para as pessoas que se preocupam com a beleza e sabem que a sociedade cobra um padrão perfeito, os procedimentos mais eficazes estão sendo deixados de lado. Com a falta de exercícios, a alimentação irregular, nada saudável, e a pouca ingestão de água fica impossível ter uma boa saúde e um corpo magro. Como esses “padrões” estão constantemente em pauta nos meios de comunicação, as pessoas que, por falta de tempo e dinheiro, não mantém uma vida saudável, sentem-se frustradas por não alcançarem as metas estabelecidas. A mídia, na maioria das vezes, enfoca regimes, tratamentos e remédios milagrosos, mas não explica à sociedade que o mais importante é a regularidade, o equilíbrio e a persistência em hábitos saudáveis. Por outro lado, também sabemos que nos dias atuais não é fácil manter uma vida equilibrada, tudo na sociedade leva as pessoas a não terem tempo e cuidados consigo mesmas. Nesse turbilhão da vida contemporânea, os indivíduos são esmagados por diversas forças: a indústria “do engorda”, da “geração saúde”, do “emagrecimento” e dos “padrões idealizados”, todos visando vender seus produtos e utilizando os meios de comunicação em massa para fazê-lo. As pessoas ficam sem saber para onde ir e o que seguir, daí surgem os inúmeros problemas que estamos abordando.
11. Você está satisfeito com seu corpo?
O que acabamos de concluir se confirma novamente nesta questão. Para cerca de 70% das mulheres que se acham bonitas, somente 33% estão satisfeitas com seus corpos. Concluímos que: ou elas não estão tão satisfeitas como responderam anteriormente ou a eterna busca pela beleza sempre faz se sentirem mal. O conflito está sempre presente. Para os homens a pressão parece ser menor. Dos 70% que se acham bonitos, 55% dizem estar satisfeitos com o próprio corpo, apenas 15% almejam alguma melhoria.
12.Você já teve vergonha do seu corpo?
Mais da metade das mulheres (56%) já tiveram vergonha do próprio corpo. Confirma-se novamente que a auto-avaliação e a auto-cobrança estão muito presentes ente elas. O “não estar nos padrões” gera culpa e angústia. Itens citados nas respostas da pergunta 36. Nos homens, o número é um pouco menor (38%), mas vem crescendo a cada dia.
13. Você mudaria alguma coisa em seu corpo?
Na mesma questão perguntamos o que mudariam em seus corpos, as quatro respostas mais citadas pelos entrevistados, sem nenhum tipo de indução, foram: 28% das mulheres e 45% dos homens secariam e definiriam a barriga; 23% das mulheres mudariam os seios, enquanto que 22% dos homens gostariam de ficar mais fortes; 14% das mulheres mudariam ou turbinariam o bumbum, enquanto que 10% dos homens gostariam de engordar um pouco; 9% das mulheres gostariam de mudar tudo em seus corpos, enquanto que 5% dos homens gostariam de engrossar as pernas.
As mudanças a serem feitas no corpo, citadas pelos entrevistados, inclusive as não mencionadas, constituem o padrão de beleza que a mídia impõe como ideal, prova de que esses “padrões” já estão intrinsecamente inseridos na mente da população. O item mais citado, tanto para mulheres, quanto para os homens, foi “barriga seca e definida”, parte do corpo sempre em evidência nas capas da maioria das revistas. A barriga, para nosso espanto nessa pesquisa, superou, no caso das mulheres, os seios grandes e o bumbum empinado, itens muito importantes para o gênero. Concluímos também que a “eterna busca pela beleza” afeta muito a auto-estima das pessoas, principalmente das mulheres, 67% delas mudariam alguma coisa em seus corpos, número que confirma a gravidade da insatisfação pessoal com que convivem.
Um cruzamento de respostas se faz necessário: o baixo índice de 33%, mulheres que estão satisfeitas com seus corpos (pergunta 11), somado ao alto índice de 67%, mulheres que mudariam alguma coisa em seus corpos (pergunta 13), dão exatos 100%. Essa soma questiona o índice de 70%, mulheres que se consideram bonitas (pergunta 1), o que pode não ser totalmente verdadeiro, muitas apenas responderam que se acham bonitas por auto-cobrança e vergonha em admitir o contrário, pois se se considerassem realmente bonitas estariam mais satisfeitas com seus corpos, o que não foi o caso. As respostas dos homens, em cruzamento de índices, parecem um pouco mais confiáveis ou menos conflitantes. Essas disparidades, verificadas na pesquisa, só fortalecem nossa hipótese sobre a criação de mitos estéticos e seus conseqüentes transtornos.
Pelas respostas, podemos perceber nitidamente como as pessoas estão sufocadas e pressionadas pelos padrões estéticos inatingíveis, ditados pelos meios de comunicação.
14. Você já fez, faz ou faria regime para emagrecer?
Somente 8% das mulheres e 16% dos homens nunca fizeram e nem farão nenhum tipo de regime para emagrecer. Em outras palavras, a preocupação com a magreza é um fator muito importante para cerca de 90% da população, tendo como base nossa pesquisa. Estar magro é uma exigência da sociedade, mas como a mesma sociedade também induz as pessoas a comerem cada vez mais uma enormidade de produtos, o efeito “sanfona”, ou seja, emagrece, engorda, e vice e versa, torna-se uma constante. As pessoas, nesse vai e vem de ideologias capitalistas de consumo, vão perdendo a saúde e a auto-estima.
15. Você fez, faz ou faria regime orientado por um médico?
48% das mulheres e 54% dos homens fariam um regime orientado por um nutricionista; 21% das mulheres e 27% dos homens fariam um regime orientado por um médico; 20% das mulheres e 13% dos homens fariam um regime por conta própria; 8% das mulheres e 4% dos homens fariam um regime orientado por uma revista; 3% das mulheres e 2% dos homens fariam um regime orientado por um livro. Conforme mostram os dados, os especialistas eleitos ganham o poder de ditar o que tem que ser feito, vigiam as estatísticas e elaboram procedimentos para todos os tipos de “desvios” (FOUCAULT, 1998).
Os médicos, os nutricionistas, os psicólogos, entre outros, escrevem em livros, jornais, internet e revistas preconizando a ordem do dia para os mais variados assuntos.
16. Você já comprou alguma revista sobre conselho estético?
17. Que tipo conselho?
18. Com qual freqüência você compra revistas sobre conselhos estéticos?
19. Você já seguiu algum conselho estético provindo de revistas?
20. Funcionou?
Os meios de comunicação apoiados nos “discursos científicos” inserem cada vez mais em suas redações novos especialistas, que vão construindo padrões e comportamentos para os mais diversos campos da sociedade. Com o passar do tempo esses “conselhos” se cristalizam no inconsciente coletivo, tornando-se verdadeiras normas de conduta. Os que não as seguem são excluídos ou discriminados, visto que não concordam com a maioria.
As revistas têm um papel muito importante na construção dos padrões de beleza pelos seguintes fatores: seus preços são relativamente baixos; podem ser adquiridas em qualquer banca; são portáteis e podem ser lidas em qualquer lugar; podem ser lidas, relidas e consultadas inúmeras vezes; são repletas de fotos, textos, letras, cores e propagandas sempre muito sedutoras; são embasadas por discursos pseudocientíficos e, principalmente, porque reforçam tudo o que já foi propagado pela TV, pelo cinema, pela moda e pelos outros meios de comunicação, que não tem sua portabilidade e vida útil.
Como pode ser verificado nas questões 16, 17, 18, 19 e 20, as revistas são muito lidas, especialmente pelas mulheres. Mesmo que não sejam freqüentemente compradas pela grande maioria das pessoas, a questão é que uma revista é lida muito mais vezes do que qualquer outro veículo impresso de comunicação, enquanto um jornal tem vida útil de um dia, uma revista pode ficar meses ou até anos em consultórios, salas de espera, bibliotecas, centros de convivência, entre outros locais de exposição. Como a maioria das revistas trabalha mais com matérias frias do que com acontecimentos imediatos, principalmente as que falam de estética, elas tem uma vida útil maior e podem também ser emprestadas, passando de mão em mão, ficando em circulação por muito tempo. Quando os conselhos publicados são “muito interessantes”, as revistas, além de serem mais vendidas no ponto de venda, também são mais repassadas entre os leitores. Muitas vezes, dependendo da matéria, são até xerocadas, nesses casos, os conselhos dados viram uma verdadeira coqueluche. Percebe-se também na pergunta 20 (as dicas funcionaram?), que os conselhos seguidos raramente dão resultados, cerca de 40% das pessoas obtém algum êxito. As receitas mágicas encantam muitos, mas não transformam ninguém, o máximo que conseguem é frustrar muitas pessoas e manter a “ditadura da perfeição”.
21. Você tomaria algum tipo de remédio para emagrecer?
22.Você tomaria algum tipo de anabolizante para ficar mais tonificado (da)?
Nas perguntas 21 e 22, notam-se algumas diferenças entre os gêneros na busca pela beleza. As mulheres são muito mais suscetíveis aos remédios para emagrecer ou aos regimes, como já foi visto, enquanto que os homens procuram realizar mudanças físicas sempre em busca da força e músculos ao invés da magreza. Um dado relevante é apontado na questão 22. A quantidade de homens que assumiram que tomariam anabolizantes é cerca de 30%. Sabe-se que anabolizantes são proibidos por lei, sujeito a detenção penal para quem vende ou para quem usa. Se cerca de 30% dos entrevistados homens assumiram que utilizariam o produto ilícito, qual seria o índice real se o assunto não fosse polêmico? De qualquer forma, 30% já é um índice muito relevante, porque além de poder levar à prisão, os anabolizantes causam inúmeros problemas como impotência, depressão, irritação, câncer, hepatite, pressão alta, derrame, calvície, insônia, dores de cabeça, desenvolvimento irreversível de mamas, entre 69 outros tipos de problemas documentados pela medicina. Esse desejo de ser forte, musculoso e másculo, preconizado pela mídia, faz com que os homens sejam coagidos a seguirem o padrão, os anabolizantes podem ajudar a dar a aparência externa imposta, mas em troca acabam com a saúde e tiram a real virilidade.
23. Você arriscaria a saúde para ficar mais bonito (a)?
Nesta pergunta, outro dado relevante: cerca de 90% da população não arriscaria a saúde em troca da beleza, mas cerca de 30% dos homens tomariam anabolizantes (pergunta 22), 46% das mulheres tomariam remédios para emagrecer (pergunta 21), cerca de 90% das pessoas fariam, fazem ou fizeram regime para emagrecer (pergunta 14), além das plásticas, que veremos mais adiante. Será que a sociedade não sabe dos riscos que a busca pela beleza pode trazer, ou será que essa busca é tão forte que cega as pessoas? De um jeito ou de outro, o conflito existe e a prova está nas respostas da própria sociedade.
24. Você tem auto-estima alta?
25. Você já teve ou tem algum problema psicológico?
26. Quais problemas psicológicos podem ser causados pela eterna busca pela beleza?
Além dos problemas mencionados nesta pergunta, foram citados inúmeros outros.
Conforme responderam na pergunta 24, cerca de 90% das pessoas têm alta auto-estima, mas observando as respostas das perguntas 25 e 26 (problemas psicológicos) e lembrando o trajeto de respostas do questionário, fica difícil de acreditar. Em outras palavras, como 90% da população pode ter alta auto-estima se cerca de 50% da mesma população (pergunta 25) têm ou tiveram algum problema psicológico? Como 90% das pessoas podem ter alta auto-estima se somente 40% (pergunta 11) delas estão satisfeitas com o próprio corpo? Como 90% dos cidadãos podem ter alta auto-estima se os mesmos 90% (pergunta 26), acreditam que a eterna busca pela beleza pode causar problemas psicológicos? Como 90% dos entrevistados podem ter alta auto-estima se 90% deles (pergunta 2), se preocupam com a beleza? Se as pessoas não se preocupassem com a beleza, se a beleza não fosse importante na sociedade, se as pessoas estivessem contentes com seus corpos, talvez 90% da população tivesse alta auto-estima, mas não é o que dizem as respostas. Concluímos que as pessoas estão sofridas, porém iludidas. O padrão estético insere na mente das pessoas, tanto o sofrimento e a angústia, como a motivação e a ilusão. Esse paradoxo é o que move e o que paralisa os indivíduos. A diversidade de metas corporais a serem atingidas, divulgadas pela mídia, deixam as pessoas sem saber para onde ir. O resultado é frustração, que leva aos problemas psicológicos, que por sua vez levam aos problemas físicos. A beleza é necessária na sociedade. É muito bom apreciar o que é belo, mas a mídia vem, cada vez mais, banalizando este fator e, o que é pior, impondo-o a toda a sociedade como um padrão. A beleza, assim como a arte, não pode e não deve ser padronizada.
27. Como você se sente quando está próximo(a) a uma pessoa muito bonita?
Pode-se perceber que quando uma pergunta mede a importância da beleza, o índice sempre gira em torno de 90%. O poder que a beleza tem sobre a sociedade, verifica-se claramente nas respostas da pesquisa realizada, comprovando nossa hipótese sobre a formação de mitos. Os cerca de 10% dos entrevistados que se sentem mal próximos a uma pessoa muito bonita, também reforçam nossa idéia inicial sobre transtornos comportamentais. As pessoas que não valorizam tanto a beleza, ou que não estão dentro do padrão constituído na mídia, se isolam, se privam, e tendem a ter mais problemas psicológicos do que as que adotam o padrão imposto.
28. Você faria uma cirurgia plástica?
29. Você teria medo de fazer uma cirurgia plástica?
30. Você sabe que muitos regimes, cirurgias e excesso de exercícios podem fazer mal à saúde?
Na pergunta 28 percebe-se o quanto a cirurgia plástica está em evidência e como virou um “sonho de consumo” para muitas pessoas. Mesmo tendo medo (pergunta 29) e mesmo sabendo que uma cirurgia pode não ser bem sucedida ou fazer mal à saúde (pergunta 30), ainda assim o número de pessoas que a fariam é bem alto (49% das mulheres e 21% dos homens). Nas revistas, principalmente as de estética, a cirurgia plástica é constantemente citada e incentivada através de matérias com depoimentos de artistas, de médicos e de pessoas que transformaram suas vidas por causa das cirurgias, o que não é uma verdade. De todos os métodos existentes para modelação e melhoria do corpo, os cirúrgicos são os que têm resultados mais imediatos, porém, têm seus riscos. Mas o pior não é nem o risco de saúde ou de morte que toda cirurgia traz, os preços das intervenções plásticas são altos e não são acessíveis para a maioria das pessoas, o que também gera frustração. Talvez o pior dos fatores relacionados à plástica seja a eterna insatisfação que ela, por ser tão propagada pela mídia, traz às pessoas. A maioria das pessoas que faz uma plástica nunca faz só uma vez, elas acabam se viciando nas mudanças e a busca por beleza rápida torna-se um ideal de vida. Muitas delas, por realizarem várias plásticas, acabam perdendo totalmente suas características físicas e psicológicas – tornando-se outras pessoas, em grande parte vazias.
31. Você acha que existe um padrão de beleza pré-estabelecido na sociedade?
Perguntamos quais padrões e as principais respostas foram:
Mulheres:
32% magros e altos;
9% seios grandes;
9% cabelos lisos;
7% barriga sarada;
7% corpo de modelos ou atores;
5% bumbum empinado;
4% as loiras.
Homens:
24% magros e altos;
18% barriga tanquinho;
18% corpo de modelos ou atores;
16% malhados;
9% corpo perfeito.
32. Quem dita esses padrões?
Na pergunta 31 a maioria das pessoas respondeu que existe um padrão de beleza pré-estabelecido na sociedade, 85% das mulheres e 61% dos homens acham que sim, ou seja, se há um padrão existente, esse padrão é, pelo menos teoricamente, seguido, ou, no mínimo, desejado. A mídia, como pensávamos, insere com muita persuasão seus modelos estéticos. As respostas das perguntas 31 e 32 confirmam essa hipótese. Os padrões corporais citados na pergunta 31 são exatamente os que analisamos nas revistas, o que prova que estão maciçamente infiltrados na sociedade. Na pergunta 32 (quem dita esses padrões?), pelas respostas vê-se que as pessoas sabem que a mídia insere uma ditadura de beleza, porém, as verdadeiras patrocinadoras dos meios e dos padrões, que são as grandes empresas, foram pouco consideradas pelos entrevistados. Os verdadeiros culpados pelos valores que se constroem na sociedade passam despercebidos.
33. Você já se sentiu pressionado (a) por esses padrões de beleza?
34. Você acha que a sociedade cobra beleza nas pessoas?
35. Você acha que a vida é mais fácil para quem é bonito?
Os padrões citados são difíceis de alcançar, por isso causam pressão na sociedade. O que se percebe também é que a pressão se dá muito mais sobre as mulheres, que se sentem coagidas a alcançar esses padrões. A culpa gerada por não estar nos padrões persegue as pessoas, do comer ao não se sentir bem consigo mesmo, o que acaba aprisionando-as dentro de suas próprias mentes.
Na comparação das respostas das perguntas 33 e 34 existe uma grande contradição. Se cerca de 80% dos entrevistados acreditam que a sociedade cobra beleza nas pessoas (pergunta 34), como a maioria dessas pessoas podem responder que não se sentem pressionadas (pergunta 33) se a cobrança foi admitida por elas mesmas? Na melhor das hipóteses, a resposta seria uma média entre as duas respostas, ou seja, cerca de 60% das pessoas devem se sentir pressionadas pelos padrões de beleza que a sociedade cobra. Valor que pode gerar muitos problemas. A média sugerida por nós (60%) ganha mais força na pergunta 35, onde os índices das respostas são parecidos com os obtidos em nossa conta dedutiva. Se para cerca de 60% dos entrevistados a vida é mais fácil para quem é muito bonito, a pressão dos padrões de beleza (pergunta 33) deve ter o mesmo índice, como concluímos.
36. Você acha que quem é gordo, feio, baixinho ou fora dos padrões estéticos adotados sofre preconceitos e discriminações na sociedade?
Fica claro que a padronização da beleza e sua disseminação na sociedade podem causar inúmeros problemas psicológicos e físicos como vimos, mas talvez o maior dos problemas seja o preconceito e a discriminação. Novamente o índice de 90%, tão evidente na pesquisa, vem confirmar essa suposição na resposta da pergunta 36. Os preconceitos e discriminações mais citados pelas mulheres, para quem não está nos padrões foram: 14% menos empregos; 9% exclusão social; 9% piadas maldosas. Os mais citados pelos homens: 13% rejeição; 11% menos oportunidades; 10% exclusão social.
Os preconceitos e discriminações citados mostram como a padronização dos corpos ou a ditadura da beleza, divulgados pela mídia, constroem mitos na sociedade. Esses mitos, não alcançáveis, agravam o mal-estar social, que já existe pela diferença de classes. As revistas com suas reportagens e propagandas subliminares sobre beleza, aparentemente inocentes, reforçam as exclusões sociais, o que torna a vida mais difícil, principalmente das classes baixas, que tem menos acesso, tempo e dinheiro para melhorarem a aparência. A obrigação em ser belo é um fardo muito pesado, principalmente para mulheres, adolescentes e os menos privilegiados financeiramente. A beleza, que deveria ser algo bom na sociedade, acaba prejudicando essa mesma sociedade, isso se deve à distorção de valores preconizada pela mídia, idealizada pela publicidade e financiada pelas empresas, que visam somente obter lucro, não se importando com as conseqüências sociais de seus atos e estratégias.
O questionário analisado mostrou claramente que existem muitos problemas físicos, psicológicos e pré-conceituais na sociedade, decorrentes da ditadura estética, que é hoje o motor de vendas das empresas e dos meios de comunicação. As revistas têm um papel fundamental nesse jogo da beleza, pois são mais duráveis que os outros meios, agindo como catalisadoras dos discursos construídos.
Nessa pesquisa os resultados mostram que o que é estabelecido na mídia se concretiza na sociedade, que sofre as conseqüências. Esperamos que nossa perspectiva tenha contribuído para ampliar e aprofundar a discussão sobre a influência da mídia na formação de novos hábitos, pensamentos e atitudes referentes ao corpo e, também, para se pensar em políticas públicas que visem regular a publicidade de alimentos, fiscalizar a produção de novos produtos alimentícios e farmacêuticos, como também seus rótulos e bulas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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______O uso dos prazeres e as técnicas de si. IN: MOTTA, Manuel Barros (org.), Ética, sexualidade, política. Ditos e escritos. vol. 5. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

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LE GOFF, Jacques. Uma história do corpo na Idade Média. Jacques Le Goff, Nicolas Truong. Tradução de Marcos Flamínio Peres. Rio de Janeiro: Civilização, 2006.

ROBERT, Hervé. Emagrecimento – 100 perguntas e respostas. São Paulo: Laroussse do Brasil, 2003.

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XIMENES, Sérgio. Multidicionário Ediouro. 5ª. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.

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