Diálogo com o corpo

IEDA CAVALCANTE DOS SANTOS

Para começo de conversa, você, caro leitor ou leitora, alguma vez já parou para pensar sobre o seu corpo? Já tentou alguma vez entendê-lo ou mesmo dialogar com ele? Ou você é daquele tipo de gente que, ao sentir uma febre ou uma dor mais aguda, já corre em busca de remédios ou de um tradutor oficial de corpo, o médico? Sem dúvida, é preciso considerar que, em tempos de dengue, predomina um estado de alerta geral diante de qualquer sinal que lembre sintoma da doença. Nestes momentos, quase todo mundo torna-se uma espécie de semioticista de dengue e a maioria dos brasileiros está de olho em seus corpos. Quando esta fase de dengue passar, se bem que sempre há o risco de não passar em certos locais do país, as pessoas retornam ao mesmo convívio com o corpo. Um convívio marcado por padrões de beleza, veiculados especialmente pela mídia em geral, e também por padrões impostos pela medicina e pela indústria de medicamentos.
Esses padrões de beleza atingem especialmente mulheres jovens. Se a ordem dos discursos desses padrões implica em inflar partes do grupo, recorre-se ao silicone. Se, ao contrário, a magreza for o modelo imposto, recorre-se a várias técnicas cirúrgicas e não-cirúrgicas para reduzir peso. Não é à toa que a anorexia e a bulimia são doenças que têm assustado muitos pais de adolescentes.
Na área da pesquisa médica, apesar das boas intenções, também correm notícias conflitantes. Ora, deve-se evitar tal alimento por que aumenta o colesterol ruim, ora ocorre o contrário com o mesmo alimento. O ovo que o diga! E a indústria farmacêutica, por sua vez, aparenta estar mais comprometida com o lucro do que com a saúde do povo em geral.
O que fazer para não cair nas armadilhas desses padrões? Talvez o primeiro passo seja refletir sobre o próprio corpo. Quem sabe iniciar um diálogo com ele, sem as amarras de doutrinas religiosas e políticas. Uma conversa cara a cara. Compreender os vários signos que este corpo emite diariamente para você e por você. Poderia daí surgir a chance de ser desenvolvida uma vida mais saudável, sem as amarras de padrões estéticos e políticos tão autoritários. Há várias maneiras de se iniciar este diálogo. Prestar a atenção na respiração e nos movimentos que ela provoca é uma das lições interessantes que vem de várias culturas, especialmente, dos praticantes de yoga.
Tratar o corpo não apenas como base física, mas também como manifestação divina, faz parte da experiência de determinados povos indígenas, segundo observação feita por Darci Ribeiro em um artigo abordando a arte indígena. Por isso, muitos desses povos lançam mão da pintura e de adornos não apenas para se embelezarem, mas também para se aproximarem da imagem de seus heróis míticos.
Na nossa cultura, muitos pintam-se, usam enfeites e tatuam o corpo. Entretanto, isso nem sempre é seguido por um cuidado com o próprio corpo, freqüentemente é feito para seguir uma moda ou um modelo imposto por um grupo. Mas, também há experiências unindo beleza, arte e conscientização sobre o corpo. O pessoal de teatro, de modo geral, desenvolve este tipo de experiência. Portanto, a aproximação com expressões artísticas é mais uma maneira de abrir o diálogo com o corpo.

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